quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Quantas pessoas incríveis conhecemos pelo caminho...

Por Mariana Juer Taragano


Caminhando pela vida, volta e meia contabilizamos vitórias, derrotas, percalços, perdas, troféus, lutos, grana... mas, independentemente dos passos propriamente ditos, será que sabemos interpretar as entrelinhas dessa nossa história? Ou melhor, será que dedicamos um pouquinho do nosso tempo para refletir sobre o que passou despercebido, mas que pode ter sutilmente nos influenciado?

Nessa parte não literal do nosso percurso ficam pessoas, momentos, perfumes, animais e até mesmo empecilhos que, por mais que por um instante tenham remetido a um grande problema, podem ter nos salvo por toda a vida.

Na mania do “se” temos por impulso calcular os “ses” que teriam nos levado a um voo mais alto, mas tendemos a ignorar os “ses” que nos impediram, ou melhor, nos salvaram de voar mais para baixo, quem sabe, para um voo mortal.

Vamos esquecer por hora das coisas e fatos tangíveis, explícitos, que nos ergueram. Mas pensemos somente em pessoas, nas personagens que cruzaram nossa vida, ainda que apenas brevemente, mas que tornaram alguns momentos mais interessantes.

Lembra aquele emprego terrível no qual se engajou e com o qual se decepcionou? Que amizades ficaram? E aquele dia que você ficou preso no elevador e conheceu um vizinho simpático que lhe ajudou a superar o terror claustrofóbico? Ou aquele curso no qual se matriculou cheio de esperanças de se tornar um profissional mais requisitado e que no final não adiantou de nada? Bem, já se esqueceu daquela turminha com que deu tantas risadas nos intervalos e da qual sobrou uma grande amizade ou simplesmente boas lembranças? Boas lembranças alimentam o espírito. Fazem rir sozinho.

Às vezes me pego pensando se algumas coisas da vida não acontecem só para nos levar a certas pessoas. Ou se não ocorrem para nos obrigar a unir pessoas que jamais se cruzariam sem o nosso empurrãozinho. E então, aqueles momentos interessantes, dependendo de nossa percepção e esforço, transformam-se em lindas histórias. Não canso de lembrar de uma amizade que fiz num bar em São Paulo. Tudo poderia ter terminado em apenas um bom papo regado a bons chopes. Mas felizmente, não fomos míopes a ponto de nos perder de vista, e a “amiga do bar”, hoje, é esposa de um grande amigo meu de infância do Rio.

De tudo que vivo, tento tirar os aprendizados e os ganhos. E estes são ainda mais ricos quando há pessoas bonitas envolvidas. Das mágoas, às vezes, é mais difícil, mas não impossível. Talvez, nessas horas, o nosso esforço torne-se mais essencial por ser tão difícil à alma simplesmente aceitar uma dor que veio só para doer. Daí, recordo-me de um ombro impensável que recebeu minhas lágrimas num dia amargo desses. Ainda que esse ombro não esteja mais por perto, a sua existência valeu cada minuto.

Aos amigos, colegas, gentis desconhecidos de hoje, de ontem e de amanhã, muito obrigada por fazerem a minha existência tão especial. Aproveito e peço desculpas pelos meus dias de negligência. Mas não me esqueço de vocês. Há quem diga que não se pode deixar este mundo sem se ter realizado um grande feito, ter escrito um livro, ter ficado famoso, ou algo assim. Eu digo que não vale passar por esta vida sem se ter sentido o valor das pessoas que nos acolheram pela trajetória e de pelo menos uma amizade verdadeira.


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Amor de Carnaval

Por Mariana Juer Taragano


Sábado me fantasiarei de pirata
E taparei uma vista para ver-te a metade somente
Domingo serei saci para, providencialmente, apoiar-me em ti
Segunda serei o malandro e fantasiarei que a seduzo completamente
Terça serei o pierrot a chorar pelo carnaval poente,
Anunciando nossa separação iminente
E, na quarta, serei o bate-bola a assustar-te e fazer-te de mim fugir
Com o carnaval, tua imagem virará cinzas
E eu saberei que foi tudo fantasia,
Pois de ti só tive a alegria


quarta-feira, 25 de maio de 2011

Dorme Puritana

Por Mariana Juer Taragano


A madrugada liberta a alma
Que desabrocha descontrolada
E derrama sentimentos contidos,
Acorrentados por consciência diurna

Profunda confusão desperta à noite a alma animal
E liberta-a da moral
E aconchega palavras, gestos, sentimentos
Que transbordam da consciência cansada

E surgem verdades não ditas ao sol
Inverdades inspiradas em estrelas

Se faz-se livre o coração à noite,
Faz-se culpada a mente ao dia


sábado, 30 de abril de 2011

Letra e Samba

Letra: Mariana Juer Taragano 


A letra que nasce chama um samba
O samba dá ginga e desanda,
Desvia, não quer nem conversar.

E a letra vai chamando,
chamando,
Insistindo:
vem meu samba,
com você vou namorar!

Chega a cabrocha reclamando:
Oh meu nego, oh meu nego,
Que moleza,
Ta querendo enrolar...
Ta querendo enrolar...

Puxa logo o samba dessa letra!
Quero, quero muito com certeza...
Tenho pressa,
Novo samba pra sambar!

Eu vejo a letra sobre a mesa,
Que tamanha essa tristeza,
E o sambinha a me enrolar...

Chega a cabrocha reclamando:
Oh meu nego, oh meu nego,
Que moleza,
Ta querendo enrolar...
Ta querendo enrolar!

Letra e samba
Eu, a nega
Tá faltando uma beleza
Pra festa começar...

Letra e samba
Eu, a nega
Tá faltando uma beleza
Pra festa começar...

Letra e samba
Eu, a nega
Tá faltando uma beleza
Pra festa começar...
Pra festa começar... 
 

 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Vovô e Vovó Taragano

Por Mariana Juer Taragano


Todos avôs e avós têm algum traço, receita, piada, mania, ou sotaque que marcam a gente. Marcam não porque aquele elemento pertence àquele indivíduo de maneira peculiar, mas porque, e acima de tudo, aquela pessoa é o(a) nosso(a) avô(ó). Eles têm ainda uma coisa qualquer que é coisa do casal. Coisa da qual, algumas vezes, só nos damos conta, infelizmente, quando crescemos e passamos a entender o que é ser parte de um “casal”.

Nunca vou esquecer o sotaque dos meus avós turcos que chegaram ao Brasil, com uma mão na frente e outra atrás, fugidos da segunda guerra mundial, com um filho no colo e um monte de sonhos na bagagem. Se viraram bem graças ao ladino, uma espécie de espanhol antigo que meus avós falavam. Aliás, minha avó se orgulhava de falar fluentemente turco, português, espanhol, grego e francês, além de arranhar no italiano e no russo. Mais que falar, minha avó vivia a cantar... e como cantava... em todas as línguas, obviamente.

Certo dia, em uma “festa das vovós” organizada pelo colégio, minha avó surpreendeu a todos ao se apresentar, de improviso, cantando uma linda canção francesa.

Quantas histórias de guerra e de paz eu ouvi, enquanto tive o privilégio de tê-los perto de mim... As lições foram incontáveis vezes repetidas: “nada mais importa se você tem saúde e sua família por perto”. Lembro de ouvir isso em meio a histórias de fome e de frio desse casal que tivera muito dinheiro antes da guerra... Aprendi que quando existe a fome é que se dá o real valor a joias, pois é com elas que você compra o pão velho que lhe manterá vivo por mais alguns dias. Aprendi que o “Brasil é o melhor país do mundo” porque tem muitas terras para plantar e bom clima o ano todo, mas, infelizmente, “tem muito vagabundo por aí”, porém “vai, vai melhorar”. Se eu dissesse que não acreditava no futuro do País, meu avô sempre tinha algo a dizer para me acalmar e lembro dele balançando a cabeça de cima para baixo falando algo como “vai, vai dar certo, aqui não tem guerra, nem frio e tem comida! A Carmen Miranda tinha frutas até no chapéu!”.

Ai, que saudade... ainda tenho em meus lábios a sensação do toque na pele do rosto de minha avó, ao dar o tão festejado beijo de chegada para uma visita... que pele minha avó tinha... faleceu aos oitenta e sete anos, há poucos anos, sem uma ruga sequer, apenas uma leve flacidez no rosto. Aquela pele macia era o orgulho da Dona Janti... Ela era linda e sabia disso, mas sentia receio de que meu avô já não soubesse mais, e sempre que alguém comentava algo, ela dizia “quando o Sami chegar perto, fala de novo que estou bonita? Fala, fala!”.

A casa passou por mudanças algumas vezes, mas os dois porta-retratos com as fotos de cada um deles da época em que se conheceram nunca, desde que me lembro, saíram um do lado do outro. E a vovó sempre apontava para a foto do vovô e dizia “não era um homem lindo?”. E olha que a vida a dois ali nunca foi um mar de rosas, mas dessa outra parte não preciso lembrar. Gosto de lembrar da intensidade e do orgulho deles.

Gosto de lembrar das comidas típicas – judaicas sefarditas-  deliciosas que minha avó fazia; do armário de guloseimas e das miniaturas de “borecas” (pastelzinho de queijo de forno) feitas especialmente para o neto caçula “da vez”; das broncas para quem não quisesse comer mais um pouco; das joias e bolsas da vovó, impecavelmente, organizadas no armário em potinhos e saquinhos; do meu avô ensinando-nos a jogar gamão e reclamando do quanto a vovó gastava com besteiras, e Janti se defendendo, dizendo que aquela blusa nova tinha sido um presente de um dos filhos. Não esqueço da forma como ela pronunciava o nome dele e, ele, o dela. Ela trocava os nomes da família toda, inclusive entre gêneros, mas nunca a vi trocar o dele.

Minha avó nunca teve pelos nas axilas... e o que isso importa? Sei lá, é só mais um pedacinho dela em minha memória. E... talvez um recalque meu, não puxei a ela, mas tudo bem... já meu avô tinha pelos pelo corpo todo, será que puxei a ele? Ah... tudo bem também... Meu avô era um homenzarrão, forte, com mãos grandes que lutaram na segunda guerra e que faziam mágicas para os netos... netos que só existiram, existem, porque Janti e Sami lutaram com unhas e dentes pela sobrevivência contra a perseguição, o frio, a fome, a tristeza...

Eles nunca deixaram de se emocionar ao lembrar da perda do primeiro filho ainda na Europa, de pneumonia, durante a guerra. Nem da perda do segundo filho, que veio no colo para o Brasil, assassinado em plena Copacabana, à luz do dia, em princípio da década de 1980, aos trinta e poucos anos (outra guerra?), mas sempre ressaltaram que a vida continuava e que tinham outros filhos e netos com quem se alegrar.

Eles sempre perguntavam se estávamos bem e quando começavam as queixas, eles vinham com outra pergunta “a saúde como está?”, se estava boa, emendavam em “graças a Deus, isso é o que importa”.

A vida é curta e há de ser aproveitada, como minha avó, de alguma forma, sempre dizia, com autoridade de quem sabia do que estava falando. A vida deles foi, sem dúvida, muito mais longa que os oitenta ou noventa anos vividos de fato, e eu tenho, em meu peito, amor, agradecimento e orgulho por ser parte dessa trajetória.

Sou eternamente grata pelas músicas e ensinamentos sobre Constantinopla, guerras, paz, amor, superação; pelas lições sobre a alegria na sua essência, que tive o prazer de aprender na teoria e na prática; pelo que sei sobre o significado de família, de vida, de sonho.

Obrigada,
Saudades,
da neta Mariana Juer Taragano