terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Para Crescer

Por Mariana Juer Taragano

Tem dias que a gente se sente como uma estaca presa em solo arenoso, úmido e frio. Presa tão profundamente que sufoca as últimas ranhuras de uma árvore que já morreu.

O sentir estanque, sufocado, arremata qualquer impulso e nem o vento cortante parece ter a capacidade de causar uma reação mínima.

Mas vem a brisa e, em seu constante esforço para salvar a estaca, desloca lentamente grão a grão do solo que puxa e engole. Vem a brisa, vão os grãos, a superfície e a camada úmida do corpo começa a secar… a liberdade volta a aparecer… renascimento, recomeço…

A estaca já balança com um vento mediano, as ranhuras secam… e o último pedaço de prisão se esvai. E a estaca tomba, rola e percorre caminhos e se sobrepõe ao solo, forte, ágil, solta.

O solo não é seu inimigo. É acidentado e leva a diferentes possibilidades de caminhos. A estaca gira, tropeça, perde velocidade e volta a ganhar… encontra caminhos que sobem, parece que vão levar ao céu… encontra caminhos que descem, descem pro mar…

Fica à deriva, encontra vida, por vezes a paz, adentra em conflitos, sofre um embate, fica sem ar, perde a direção. Volta à superfície, encontra o céu, o calor do sol, o ritmo, o ninar das ondas do mar. Mar que a acalenta em seus braços, agora menos vorazes, oferecendo-lhe uma parte de si para alimentar seus entalhes e cicatrizar suas feridas. Na cor, na luz, na harmonia, encontra inspiração e balança de volta ao solo, mais forte, mais segura, mais sábia.

Calça Papai Sacudo

Por Mariana Juer Taragano


Há quem diga que mulher se veste para outras mulheres. Nem para ela mesma, nem para seu namorado, parceiro, alvo, etc. Sempre fui contra essa alegação. Achava um absurdo os homens (eu achava que eles eram os únicos que defendiam isso) defenderem essa afirmação em seus discursos sobre a competitividade feminina. Mas a calça “papai sacudo” veio com tudo para provar que eu estava errada, não é? Ok, ok, pode até ser confortável e eu mesma tenho duas bem anteriores à moda atual, por achar, à época, o corte estiloso, confortável e diferente (guarde essa palavra). Mas falando claramente, até hoje só ouvi um homem dizendo que acha bonita: um vendedor de loja tentando me convencer de levar uma dessas, cujo cós bate no joelho... e eu, que estou em fase de “quero agradar o meu amor”, tentei explicar ao mocinho que meu namorado não gosta e tal... eis que vem a vendedora que estava por perto com o seguinte papo: “Menina, mas você tem todo um estilo seu, vê-se que tem personalidade forte, vai ficar tão encanada com isso?! Essa calça é super exclusiva, só vieram duas peças...” - Ela quase me convenceu, até emendar: “ah... que besteira, tem mesmo alguns caras que falam que o corpo fica meio esquisito, mas e daí se deforma um pouco o corpo? Eles entendem de quê? O importante é estar na moda, e TODO MUNDO TÁ USANDO! Seu gato vai entender”. – Opa! “personalidade” não combina com “todo mundo” que não combina “gato vai entender”, uma vez que assumo que acho a opinião dele importante, já que, afinal, me visto para ficar “gata” para ele - Sim, assumo: para ele -, o que também não combina com “corpo deformado”. E, obviamente, me visto para mim também, porque me olhar no espelho e me odiar, não dá. E quer saber? Me olhar no espelho e ver “mais uma”, também não dá.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Onde está a ética?

Por Mariana Juer Taragano

Houve um tempo em que a palavra do homem valia mais do que qualquer papel assinado. Em algumas nações, religiões e tribos, a palavra vale a vida. E o que pode valer mais do que a própria vida a um ser humano?

Daí, ditados, provérbios e parábolas surgiram para exemplificar e ensinar às crianças sobre o poder das palavras e a responsabilidade a que se impinge aquele que fala sem pensar, que fala besteiras, ou que mente. Mas hoje, palavras, vida e ser humano vêm pesando de forma diferente na balança dos significados. E, junto com elas, arrastam outras preciosidades de dicionários de quaisquer culturas, tais como respeito e ética.

Em diferentes esferas da sociedade, vemo-nos afundados em uma mancha de significados contraditórios: usa-se a fé do povo, a crença em um futuro melhor para enganá-lo, extorqui-lo. E quando ele parece não ter mais esperanças, uma nova fagulha de pretensa possibilidade de melhora é colocada à sua frente como um irresistível engodo que, ao final, não passa de um engano, mais um.

Lembro-me de ter aprendido na escola valores que deveriam ser inerentes ao “ser” humano, tais como bondade, verdade, cuidado, respeito ao próximo, mas se minha escola não me passou ensinamentos equivocados, não tenho encontrado muita “humanidade” entre alguns daqueles que deveriam nos representar na arena para “promover o bem de todos”, segundo a tão aclamada Constituição de 1988. Andam a nos desrespeitar solenemente, passando por cima dos nossos direitos de cidadãos de uma nação que tem em suas raízes o desejo de ser “livre, justa e solidária”. Arrancam-nos a paz, a fé, a dignidade e nos extirpam o direito à ética!

Sinto vergonha por aqueles que se apoiam na ignorância alheia e nos limites da força popular para se manter no trono, que ainda é de cobre, mas que deveria ser de ouro, dado o potencial deste país-continente. Sinto pena dos que, ignorando a realidade dos fatos, sofrem bizarros abusos. A angústia violenta a alma daqueles que, conscientes das máscaras que nossa história vem usando, preveem novas lágrimas, mas não freia, sem dúvida alguma, a luta por um caminho de significados genuínos de ética, verdade, dignidade e justiça.

Quem é essa moça?

Por Mariana Juer Taragano

Quem é essa moça que me conhece sem me conhecer?
Que sabe das minhas dores, das minhas vozes, dos meus algozes?
Quem é essa moça que sorri o sorriso dos anjos e ri o riso dos moleques?
Essa moça que se aninha em meus braços, que cresce dentro do meu abraço e me protege?
Essa que fala com grandeza, mas chora pequena e mareja em silêncio?
Que fala baixinho e só eu sei que é pra não me amedrontar na sua rouquidão grave de gente que é grande e quer disfarçar.
Ah... e se essa moça me contasse todos os seus segredos, por certo, eu não tardaria a me encantar.
Mas como ela só me conta alguns, só posso me apaixonar.
Mas eu quero o encanto, a mágica, mais que o feitiço e o fetiche.
Quero o canto, os sinos, e o eco da risada dela.
Quero a calmaria após a ressaca, a paz da brisa depois do vendaval.
Eu quero essa moça de Almodóvar e de Allen correndo viva nas minhas veias.
E me causando furor, algumas vezes até torpor, mas eu quero mesmo...
Amor.

Sonhei que estava com o Chico na Holanda!

 Por Mariana Juer Taragano

Às vezes, eu penso tanto, tanto que fico confusa. Acho que penso mais rápido do que sou capaz de botar pra fora. Ou do que posso. Bem que queria. Esses pensamentos que não dão um minuto e que me atormentam. Penso tanto. Esses tantos são mais rápidos que falta capacidade pra controlar e decidir no que quero pensar. Falta o quê? Vou em frente, volto. São tantos tantos de pensamentos e tão rápidos que às vezes penso que vou seguir em frente, mas volto ao início e paro no meio. No meio de alguma coisa que eu já nem sei mais do que se trata. E fico confusa e gaguejo. E do que que que... Engasguei. Respiro... do que eu estava falando mesmo? Ah... do pensamento, é tão rápido... e por ser tão rápido, eu deveria ser mais inteligente, um gênio talvez. Meus amigos dizem que falo em “ritmo diferenciado” e que às vezes não dá para acompanhar. Se pudessem ouvir meus pensamentos, aí sim veriam o tamanho do desafio! Droga. Não consigo dormir. Luz. Bloco, caneta. Agora vou relaxar e dormir o quanto que eu quiser, porque amanhã é sábado. Mais pensamentos. Não dá, não posso. Nem na hora de dormir, eles não me deixam em paz! Pensa na luz. Um pontinho, os carneirinhos, 100, 99, 98, 88, ãh? Pulei algo, voltemos: 98, 97, 76, 65, 54... criei uma nova seqüência, a minha. Quem disse que isso da certo? Pensemos em coisas boas! Uma hora da manhã, preciso dormir. Tão lindas as rosas que ele me trouxe hoje. Acho que vou perdoar o Chico. Estou até respirando mais lentamente. Vou sonhar com ele. Mas ele foi um canalha. Convenhamos, não merece perdão. Ah merece, todo mundo merece uma segunda chance. Quem é idiota? Quem erra duas ou três vezes? E quem nunca errou? Eu errei hoje no trabalho, mas o que eu poderia ter falado? Argumentei tudo e até respirei fundo. E engoli 3 sapos. Droga. Não da para levar o trabalho para a cama... nem os sapos. A Juju levou e no que deu? Justa causa, mas onde eu estava mesmo? Pensa... Por que pensar na Juju? Ahh os sapos... odeio sapos. Ai meu deus, terei pesadelos... Por falar em sapos, o príncipe trouxe flores. Está longe de ser príncipe, moço danado! Subi novamente no elevador com o vizinho novo. Ele me olha de um jeito... Imagina ele nu!!! Que horror! Estou pirando. E respirando... O cara mais escafandroso do universo nu! Ele nem deve se olhar no espelho pelado. Escafandroso... existe essa palavra? E se eu sonhar com ele? Pesadelo. Pensa no meu, no meu, o meu... meu alguma coisa novo, hum... um príncipe... Chico. Parece o Chico mesmo, o Chico Buarque sabe? Sabe quem sua louca? Só você se ouve! Trouxe rosas. Nunca fui à Holanda. Nem ao Rio... Alguém, pelo amor de deus me desliga! Não consigo mais parar! As rosas, esqueci de colocar n´água. Será que vão morrer? Hum... um jogo! Se morrerem até amanhã cedo, não durará nossa historia. Se não morrerem, ponho na água e significa... Que eu sou boba. Adoro rosas, mas morrem mais rapidamente que meus romances. Que morram! Odeio rosas. Rosa... o nome da minha amiga de infância, onde andará? Está morando na França... Onde estará o “Le petit Prince” que comprei na última viagem para estudar francês? Ou seria prance? O francês está péssimo, assim como o português... 100, 99, 98... já me escondi! Pensar em coisas boas para sonhar. Tom Cruise, céu azul, casa de campo, que eu não tenho, casa de praia que eu tenho... preciso ver aquele vazamento!! O príncipe, o meu prince, Brad Pit, James Bond, Super Homem, Nietzsche, como se soletra isso? N-i-e-t-s-z-s–z-s-t-c... Não. Sem literatura hard core. O vocalista daquela banda, viagem pro sul, pontinho azul, 100,99, apartamento 504... na Vila Madalena... aquele moço da novela, velas, luz, vinho, bêbada... pontinho azul, olhos azuis, a banda, Julinho D´Adelaide, Julia Roberts, Julia o quê???? Alguém desliga a chave do meu cérebro pelo amor de deus??? Pensa, pensa, pensa nos olhos do Chico, pontinhos azuis. Respira... respira... ressspi... resp... res... sou boba rosa... príncipe azul... vê luz com o Chico... lambada... sutiã... viela... mordeus no zul...

Entre sonhos e furtos

Por Mariana Juer Taragano

Um dia, sonhei um sonho em que eu não era eu
E criei uma vida que não era a minha
Nela, tinha um carro, um cargo, um cigarro
Tinha roupas, lugares e cores

Havia vultos que não eram dos meus amigos
Havia gente de hoje e de amanhã
Mas gente de ontem ou de anteontem inexistiam

Havia uma força, uma potência, uma riqueza
Uma relativa invencibilidade
Que me salvava da fraqueza
Mas também da sutileza
Da sensibilidade, da franqueza e da fragilidade

E entre rabiscos, rascunhos e caixas
Havia, presa, uma saudade

Um dia, acordei do sonho
Me olhei no espelho
E vi um rosto estranho

Minha alma explodiu
Uma lágrima minha escorreu
Por um rosto que não era meu