sábado, 30 de abril de 2011

Letra e Samba

Letra: Mariana Juer Taragano 


A letra que nasce chama um samba
O samba dá ginga e desanda,
Desvia, não quer nem conversar.

E a letra vai chamando,
chamando,
Insistindo:
vem meu samba,
com você vou namorar!

Chega a cabrocha reclamando:
Oh meu nego, oh meu nego,
Que moleza,
Ta querendo enrolar...
Ta querendo enrolar...

Puxa logo o samba dessa letra!
Quero, quero muito com certeza...
Tenho pressa,
Novo samba pra sambar!

Eu vejo a letra sobre a mesa,
Que tamanha essa tristeza,
E o sambinha a me enrolar...

Chega a cabrocha reclamando:
Oh meu nego, oh meu nego,
Que moleza,
Ta querendo enrolar...
Ta querendo enrolar!

Letra e samba
Eu, a nega
Tá faltando uma beleza
Pra festa começar...

Letra e samba
Eu, a nega
Tá faltando uma beleza
Pra festa começar...

Letra e samba
Eu, a nega
Tá faltando uma beleza
Pra festa começar...
Pra festa começar... 
 

 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Vovô e Vovó Taragano

Por Mariana Juer Taragano


Todos avôs e avós têm algum traço, receita, piada, mania, ou sotaque que marcam a gente. Marcam não porque aquele elemento pertence àquele indivíduo de maneira peculiar, mas porque, e acima de tudo, aquela pessoa é o(a) nosso(a) avô(ó). Eles têm ainda uma coisa qualquer que é coisa do casal. Coisa da qual, algumas vezes, só nos damos conta, infelizmente, quando crescemos e passamos a entender o que é ser parte de um “casal”.

Nunca vou esquecer o sotaque dos meus avós turcos que chegaram ao Brasil, com uma mão na frente e outra atrás, fugidos da segunda guerra mundial, com um filho no colo e um monte de sonhos na bagagem. Se viraram bem graças ao ladino, uma espécie de espanhol antigo que meus avós falavam. Aliás, minha avó se orgulhava de falar fluentemente turco, português, espanhol, grego e francês, além de arranhar no italiano e no russo. Mais que falar, minha avó vivia a cantar... e como cantava... em todas as línguas, obviamente.

Certo dia, em uma “festa das vovós” organizada pelo colégio, minha avó surpreendeu a todos ao se apresentar, de improviso, cantando uma linda canção francesa.

Quantas histórias de guerra e de paz eu ouvi, enquanto tive o privilégio de tê-los perto de mim... As lições foram incontáveis vezes repetidas: “nada mais importa se você tem saúde e sua família por perto”. Lembro de ouvir isso em meio a histórias de fome e de frio desse casal que tivera muito dinheiro antes da guerra... Aprendi que quando existe a fome é que se dá o real valor a joias, pois é com elas que você compra o pão velho que lhe manterá vivo por mais alguns dias. Aprendi que o “Brasil é o melhor país do mundo” porque tem muitas terras para plantar e bom clima o ano todo, mas, infelizmente, “tem muito vagabundo por aí”, porém “vai, vai melhorar”. Se eu dissesse que não acreditava no futuro do País, meu avô sempre tinha algo a dizer para me acalmar e lembro dele balançando a cabeça de cima para baixo falando algo como “vai, vai dar certo, aqui não tem guerra, nem frio e tem comida! A Carmen Miranda tinha frutas até no chapéu!”.

Ai, que saudade... ainda tenho em meus lábios a sensação do toque na pele do rosto de minha avó, ao dar o tão festejado beijo de chegada para uma visita... que pele minha avó tinha... faleceu aos oitenta e sete anos, há poucos anos, sem uma ruga sequer, apenas uma leve flacidez no rosto. Aquela pele macia era o orgulho da Dona Janti... Ela era linda e sabia disso, mas sentia receio de que meu avô já não soubesse mais, e sempre que alguém comentava algo, ela dizia “quando o Sami chegar perto, fala de novo que estou bonita? Fala, fala!”.

A casa passou por mudanças algumas vezes, mas os dois porta-retratos com as fotos de cada um deles da época em que se conheceram nunca, desde que me lembro, saíram um do lado do outro. E a vovó sempre apontava para a foto do vovô e dizia “não era um homem lindo?”. E olha que a vida a dois ali nunca foi um mar de rosas, mas dessa outra parte não preciso lembrar. Gosto de lembrar da intensidade e do orgulho deles.

Gosto de lembrar das comidas típicas – judaicas sefarditas-  deliciosas que minha avó fazia; do armário de guloseimas e das miniaturas de “borecas” (pastelzinho de queijo de forno) feitas especialmente para o neto caçula “da vez”; das broncas para quem não quisesse comer mais um pouco; das joias e bolsas da vovó, impecavelmente, organizadas no armário em potinhos e saquinhos; do meu avô ensinando-nos a jogar gamão e reclamando do quanto a vovó gastava com besteiras, e Janti se defendendo, dizendo que aquela blusa nova tinha sido um presente de um dos filhos. Não esqueço da forma como ela pronunciava o nome dele e, ele, o dela. Ela trocava os nomes da família toda, inclusive entre gêneros, mas nunca a vi trocar o dele.

Minha avó nunca teve pelos nas axilas... e o que isso importa? Sei lá, é só mais um pedacinho dela em minha memória. E... talvez um recalque meu, não puxei a ela, mas tudo bem... já meu avô tinha pelos pelo corpo todo, será que puxei a ele? Ah... tudo bem também... Meu avô era um homenzarrão, forte, com mãos grandes que lutaram na segunda guerra e que faziam mágicas para os netos... netos que só existiram, existem, porque Janti e Sami lutaram com unhas e dentes pela sobrevivência contra a perseguição, o frio, a fome, a tristeza...

Eles nunca deixaram de se emocionar ao lembrar da perda do primeiro filho ainda na Europa, de pneumonia, durante a guerra. Nem da perda do segundo filho, que veio no colo para o Brasil, assassinado em plena Copacabana, à luz do dia, em princípio da década de 1980, aos trinta e poucos anos (outra guerra?), mas sempre ressaltaram que a vida continuava e que tinham outros filhos e netos com quem se alegrar.

Eles sempre perguntavam se estávamos bem e quando começavam as queixas, eles vinham com outra pergunta “a saúde como está?”, se estava boa, emendavam em “graças a Deus, isso é o que importa”.

A vida é curta e há de ser aproveitada, como minha avó, de alguma forma, sempre dizia, com autoridade de quem sabia do que estava falando. A vida deles foi, sem dúvida, muito mais longa que os oitenta ou noventa anos vividos de fato, e eu tenho, em meu peito, amor, agradecimento e orgulho por ser parte dessa trajetória.

Sou eternamente grata pelas músicas e ensinamentos sobre Constantinopla, guerras, paz, amor, superação; pelas lições sobre a alegria na sua essência, que tive o prazer de aprender na teoria e na prática; pelo que sei sobre o significado de família, de vida, de sonho.

Obrigada,
Saudades,
da neta Mariana Juer Taragano