terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Quem já teve pedra no rim?

Por Mariana Juer Taragano

Quem já teve pedra no rim sabe. É horrível. É de ver estrelas. Não estrelas encantadas, cadentes pra fazer pedido ou estudar o zodíaco. É de ver estrelas de desenho animado, aquelas que vêm com passarinhos que cantam desafinados quando alguém leva rolo de massa na cabeça ou cai de uma árvore. É dor de pedra. Dor que rasga e que, de tanto doer, guarda espaço na memória e merece uma crônica só pra ela. É dor que perfura o umbigo e se espalha sob a costela, e que dói mais quando a gente se mexe. É dor que não adianta apertar, que não vai aliviar.

Há quem diga que dor de pedra no rim é pior do que dor de parto! Pudera, no parto, a dor precede um presente encantado, presente de D´s, um milagre. E a dor no rim? Precede mais dor e mais medicamentos. Medicamentos que estragam alguma outra coisa, que seja o intestino, o estômago ou o humor e, por fim, o grande acontecimento: o nascimento de uma pedra!

Não há dor que se compare, dizem por aí! Que dor, além de pedra que caminha ureter abaixo com esforço latente, empurrando paredes, atritando abusivamente, faz estagnar, parar onde estiver, chorar e querer se rasgar todo? Que dor faz inchar os olhos até não mais aguentar, gritar como criança e querer desmaiar só para fugir? De estômago, não é. Dor de estômago pode ter inúmeras motivos que... passam. Passam mais rápido e mais tranquilamente que pedra, pelo menos. A pedra não passa! Quer dizer, parece não conseguir passar durante aquelas insanas e infinitas horas de sofrimento. E o pior é que ela não se anuncia! Não existe dilatação ou intuição que prenunciem o nascimento da meliante!

Que dor parece que nunca vai passar? Dor de pedra faz um órgão vital inchar e vai se transformando e rasgando de maneiras diferentes a cada instante como que em uma evolução, ou involução, e quando parece que vai piorar e faz querer morrer, D´s me perdoe, passa. Passa, simplesmente, e faz o choro cessar, mas faz guardar na lembrança uma marca. Marca de dor de pedra áspera e perfurante. Dor que só conhece quem, por ela, já passou.

Mas, se a dor é intermitente, não alivia quando aperta, arde, piora quando mexe, fere um órgão vital e fica para sempre na memória, então, o diagnóstico pode ser outro! Se ao invés da contínua sensação de preenchimento e a urgente necessidade de esvaziar, o que existe é o constante sentimento de vazio e a pulsante necessidade de preencher... Dor de amor Doutor? É... só dor de amor pode ser pior do que dor de pedra do rim, mas, apesar dos pesares e do estrago, também passa.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O cáctus e o pássaro

Por Mariana Juer Taragano
fonte da imagem: gettyimages.com

O pássaro sobrevoava, sobrevoava
E o cáctus nada falava.
Preso ao solo, nada podia fazer
Ante ao possível perigo a correr.

Mas o pássaro, curioso,
Não queria assustar, nem sequer amedrontar.
Apenas desejava se aproximar.
Mas tinha medo.
Talvez, o outro lhe espetasse o dedo.

Passaram dias.
Passaram noites.
E, com frequência,
O pássaro voltava, e rodava, e pairava.

O cáctus já nem olhava.
Apenas ignorava.
E, com receio de demonstrar seus medos,
Também nada falava.
Embora, dentro de si,
A curiosidade o instigasse a dar ao entranho
Uma palavra.

De súbito, uma ideia lhe veio meio que no instinto:
“darei a ele o meu sentimento
para que me deixe em paz por sentir o que sinto.
E se medo sentir, não há mais de querer vir”.

Com semblante amarrado,
Mandou de um só brado:
“Quem pensas que és para todos os dias
Fazer sombra em meus pés?
Todos os dias me traz agonia
Com essa sua cantoria, ou melhor, gritaria!”

E o tal pássaro,
Diferente do que queria o cáctus em sua fantasia,
Nada temeu.
Ao contrário, de ironia, se encheu.

“Veja só, veja só, eu me achava a única curiosa,
Mas, pelo visto, esse cáctus é deveras mais,
dentro de sua forma pomposa”.

“Sim, este cáctus velho é curioso.
Nem tanto pomposo.
Mas fica orgulhoso por saber
Que uma fêmea lhe investe especiais olhares
E dele tem tal imagem”.
“Ora, seu cáctus ousado,
Não seja mal educado!
Sou apenas curiosa!
Nada estou interessada em galanteio
´espetoso` de um cáctus idoso!”

“Galanteio? Idoso? ´Espetoso`?
Mocinha que gosta de inventar palavrinha,
Se mais perto chegasse, veria que sou mesmo
Um cáctus formoso, mas muito perigoso!”

Ao cáctus foi lançado um “mentiroso”,
Depois um “malcriado” e algo mais que se perdeu
No bater de asas assustado de quem ataca
Para não ser atacado.

E o cáctus, naquele dia,
Nada mais respondeu.
Com tais acusações,
O ar prendeu.
E, por bem, calou-se
Diante de um último olhar fulminante da visitante.

Ah... visitante...
Pela primeira vez se dera conta
De que em sua longa vida,
Nunca tivera uma visita constante.

Dias passavam
E a visitante já não voltava.
E daquele medo, risada ele já dava.
E sempre pensava que algo lhe faltava.

“Que saudade, que saudade...
Por que fui optar pela maldade, pela rudeza?
Só pela defesa?
Que saudade...
Poderia agora ter uma amizade...”

Um dia, uma sombra o despertou.
Foi a bela jovem que voltou.
“Bom dia, bom dia!”
E, no coração do cáctus, uma alegria se instalou

“Bom dia!” e nada mais falou,
Apenas sua voz algum som ensaiou.
Mas havia uma dúvida: se desculpar
ou simplesmente deixá-la falar?
E não se antecipou.

E a jovem falcão animadamente falou:
“Veja Seu Cáctus, eu sou apenas uma jovem curiosa
E não queria parecer arrogante ou maldosa.
Mas, me perdi da minha mãe ao dar
Os primeiros vôos sozinha.
E, ao ter que o mundo encarar,
Sei que posso ser ainda tolinha”

E o cáctus, então, certa pena sentiu,
Mas também uma admiração o invadiu.

“Perdoe-me você minha jovem,
Se fui arrogante e ousado,
Mas ao olhar um pássaro pela natureza
Tão privilegiado, confesso que me amedrontei.
E tolo eu que me apresentei,
Ao julgar imaturamente que afastá-la, fosse como fosse,
seria prudente”

E a bela jovem respondeu:
“Então Senhor Cáctus, creio que agora podemos ser amigos”
“Sim, amigos seremos!” respondeu alegremente o cáctus.
E acrescentou:
“E poderei sempre contar com sua sombra a me visitar?”
“Só se me permitir um dia te tocar, sem me espetar!”

E uma nova história começou.
E o que parecia maldade era apenas curiosidade.
Uma propícia oportunidade para uma nova amizade.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Da Rotina

Por Mariana Juer Taragano


A rotina quer me matar. A mesma xícara, o mesmo sabor, a mesma cor na parede. O mesmo som do refrigerador. Um ronco rouco e crescente, como um decolar, que já não me incomoda, apenas me lembra que por alguns minutos, ou segundos, sei lá, não poderei exercer o direito de ir e vir entre as prateleiras da minha geladeira, guardiã dos meus alimentos. Ela me freia, o que já nem me importa, pois aqueles quilos que desejo perder também são os mesmos há anos.

No armário, as roupas já não são as mesmas, mas o estilo se mantém. Uma escravidão do espírito em meio a uniformes do ambiente corporativo que carregam o timbre do bem-sucedido.

No espelho, a velha palidez, da qual, de tempos em tempos, eu creio poder me livrar de vez. Talvez, naqueles dez dias de férias tiradas a cada dois anos.

Na cama, sobre os velhos lençóis, a mesma pessoa há dez anos e uns bocados, ou seriam doze anos? Paramos de contar quando o aniversário virou motivo de briga. A mesma briga de sempre, por nada e por tudo. Os menores motivos levantam as piores discussões que depois são encerradas com o velho questionamento sobre o tamanho do problema, que não se compara aos problemas reais. Que seriam quais? Aqueles sobre ter ou não filhos, mudar de trabalho, cuidar da saúde, dos dentes... Aliás, meus dentes não passam por uma revisão há tempo suficiente para que eu já nem repare no seu amarelado causado por aquele cigarro que fumo há tantos anos que já nem tem sabor, talvez pelo costume, talvez pelas papilas desgastadas. Quem diria, aquele sorriso de outros tempos era tão elogiado...

A rotina não vai me matar. Vou redecorar a cozinha. Não vou mudar de geladeira, mas já a enfeitei com fotos novas e acho que vou pintá-la com alguma cor moderna. A decoração principal estará do lado de dentro! Haverá alimentos diferentes, coloridos, estimulantes, que sejam parte ativa na eliminação daqueles quilos que, em breve, virarão passado sim. O sabor fica. O excesso sai. Tirei as xícaras de visita do armário e vou usá-las para melhorar o sabor matinal. Afinal, eu sou a primeira visita da cozinha há anos! Por sinal, o café passará para a sala, geralmente frequentada só quando aquelas mesmas visitas, por aqui, passam. A marca de leite fica, a de café muda. Vou comprar a tão desejada máquina de expresso de presente para nós dois que tanto amamos um café forte pela manhã.

Nós dois... nós dois precisamos de coisas novas. Há quanto tempo eu já não usava a primeira pessoa do plural para desejar, sonhar, cuidar? O pãozinho vira integral, o lixo passa a ser separado para limpar o planeta e a nossa consciência. Arrumarei a mesa de café com aquela toalha bordada, aquela de visita também que, guardada junto às xícaras, estava empoeirada numa prateleira alta do armário do quartinho. O quartinho da bagunça será arrumado e limpo. O dispensável será doado ou descartado. Vamos montar uma oficina de maluquices eletrônicas da outra metade do “nós”. Ele sempre quis.

No armário, começarei a ser mais criativa. Desde as cores das portas até o seu conteúdo. Os terninhos ficam, mas a uniformidade sem personalidade sai. Afinal, o emprego que amo fica. Mas, com novos horários.


Na cama, vou recomeçar. Comprarei uma nova e escolherei novos jogos de lençóis e travesseiros. Tudo que for preciso para que a pessoa com quem durmo há anos e, recentemente, só durmo, tenha vontade de ficar nela por mais horas comigo, dormindo ou acordado. Na paz ou discutindo. As discussões ficam; as brigas, não. Assuntos serão encerrados quando, de fato, terminados, pois, talvez, por nunca chegarmos a conclusões, cometamos os mesmos erros ou estejamos abrindo mão de detalhes importantes da nossa história.

Vou cuidar dos meus dentes e do meu corpo. Vou parar de fumar.  Vou rever hábitos e atitudes. E vou cuidar para que ele faça o mesmo, principalmente, com os doces, a ansiedade, os joelhos e a coluna. Vamos repensar e reavaliar velhos e novos sonhos.

Vamos cuidar da nossa casa com tudo que nela existe e coexiste, a começar por tudo que vive, mas o tem feito sem vida: eu e meu par. Da rotina, só ficam o bom e o necessário, pois está na hora de mudar o olhar sobre o entorno. A rotina não vai nos matar.