quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O cáctus e o pássaro

Por Mariana Juer Taragano
fonte da imagem: gettyimages.com

O pássaro sobrevoava, sobrevoava
E o cáctus nada falava.
Preso ao solo, nada podia fazer
Ante ao possível perigo a correr.

Mas o pássaro, curioso,
Não queria assustar, nem sequer amedrontar.
Apenas desejava se aproximar.
Mas tinha medo.
Talvez, o outro lhe espetasse o dedo.

Passaram dias.
Passaram noites.
E, com frequência,
O pássaro voltava, e rodava, e pairava.

O cáctus já nem olhava.
Apenas ignorava.
E, com receio de demonstrar seus medos,
Também nada falava.
Embora, dentro de si,
A curiosidade o instigasse a dar ao entranho
Uma palavra.

De súbito, uma ideia lhe veio meio que no instinto:
“darei a ele o meu sentimento
para que me deixe em paz por sentir o que sinto.
E se medo sentir, não há mais de querer vir”.

Com semblante amarrado,
Mandou de um só brado:
“Quem pensas que és para todos os dias
Fazer sombra em meus pés?
Todos os dias me traz agonia
Com essa sua cantoria, ou melhor, gritaria!”

E o tal pássaro,
Diferente do que queria o cáctus em sua fantasia,
Nada temeu.
Ao contrário, de ironia, se encheu.

“Veja só, veja só, eu me achava a única curiosa,
Mas, pelo visto, esse cáctus é deveras mais,
dentro de sua forma pomposa”.

“Sim, este cáctus velho é curioso.
Nem tanto pomposo.
Mas fica orgulhoso por saber
Que uma fêmea lhe investe especiais olhares
E dele tem tal imagem”.
“Ora, seu cáctus ousado,
Não seja mal educado!
Sou apenas curiosa!
Nada estou interessada em galanteio
´espetoso` de um cáctus idoso!”

“Galanteio? Idoso? ´Espetoso`?
Mocinha que gosta de inventar palavrinha,
Se mais perto chegasse, veria que sou mesmo
Um cáctus formoso, mas muito perigoso!”

Ao cáctus foi lançado um “mentiroso”,
Depois um “malcriado” e algo mais que se perdeu
No bater de asas assustado de quem ataca
Para não ser atacado.

E o cáctus, naquele dia,
Nada mais respondeu.
Com tais acusações,
O ar prendeu.
E, por bem, calou-se
Diante de um último olhar fulminante da visitante.

Ah... visitante...
Pela primeira vez se dera conta
De que em sua longa vida,
Nunca tivera uma visita constante.

Dias passavam
E a visitante já não voltava.
E daquele medo, risada ele já dava.
E sempre pensava que algo lhe faltava.

“Que saudade, que saudade...
Por que fui optar pela maldade, pela rudeza?
Só pela defesa?
Que saudade...
Poderia agora ter uma amizade...”

Um dia, uma sombra o despertou.
Foi a bela jovem que voltou.
“Bom dia, bom dia!”
E, no coração do cáctus, uma alegria se instalou

“Bom dia!” e nada mais falou,
Apenas sua voz algum som ensaiou.
Mas havia uma dúvida: se desculpar
ou simplesmente deixá-la falar?
E não se antecipou.

E a jovem falcão animadamente falou:
“Veja Seu Cáctus, eu sou apenas uma jovem curiosa
E não queria parecer arrogante ou maldosa.
Mas, me perdi da minha mãe ao dar
Os primeiros vôos sozinha.
E, ao ter que o mundo encarar,
Sei que posso ser ainda tolinha”

E o cáctus, então, certa pena sentiu,
Mas também uma admiração o invadiu.

“Perdoe-me você minha jovem,
Se fui arrogante e ousado,
Mas ao olhar um pássaro pela natureza
Tão privilegiado, confesso que me amedrontei.
E tolo eu que me apresentei,
Ao julgar imaturamente que afastá-la, fosse como fosse,
seria prudente”

E a bela jovem respondeu:
“Então Senhor Cáctus, creio que agora podemos ser amigos”
“Sim, amigos seremos!” respondeu alegremente o cáctus.
E acrescentou:
“E poderei sempre contar com sua sombra a me visitar?”
“Só se me permitir um dia te tocar, sem me espetar!”

E uma nova história começou.
E o que parecia maldade era apenas curiosidade.
Uma propícia oportunidade para uma nova amizade.


4 comentários:

  1. Mari, Mari...já te falei, pare tudo o que está fazendo e só escreva! Esse texto é de uma poesia e delicadeza superiores. Fino trabalho.
    Keep going...

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  2. Mari... o Rio te faz muito bem.
    Que saudade de vc!
    bjs
    Rafa

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  3. Po... muito bom Mari!! Adorei!! As palavras conduzem para um imaginário visual com tanta naturalidade e sonoridade!! PARABENS!!

    Bjão e saudades,
    F

    ps - a fotinho aí em cima é daquelas do Arpoador, 2006?

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  4. Mari Ana...
    Ana é uma poeta esta Mari.
    Mari poeta Ana..
    Ana poeta Mari

    Linda Ana que me encanta
    Fala Mari como Ana
    que ama como quem canta.
    Com seu jeito de Mariana.

    Parabéns!!!!
    Vc é uma poetisa...

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