quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Tristeza

Por Mariana Juer Taragano


Ainda que brotem em meu jardim flores,
Já não têm brotado tão belas.

Esforçam-se os brotos
A rebentar bonitas flores,
Mas, em flores amargas,
Mostram-se dores.

Se quem planta
Tem no peito amargura,
O broto triste brota agrura.

A mão débil trata a terra.
Solidariza-se o broto
Que brota, ainda que torto,
No divino intento
De doar-me o mais puro acalentamento.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O entardecer na praia

Por Mariana Juer Taragano

Um passo de cada vez
E, lentamente, sinto a areia quase quente
Abraçar-me os pés.

Cerro os olhos
E vou caminhando...

Sinto cada grão.
Delicadamente, abrem espaço,
Convidando-me para o espetáculo
Do dia a adormecer.

E, aos poucos, a areia vai se tornando mais fria e mais úmida.
Sento-me;
Sinto-me leve.

O sol, despedindo-se, dá uma trégua,
E a brisa fresca chega bailando.

Tão gentil é o mar
A presentear-me com pequenas ondas
Que balançam
E estouram próximo aos meus pés,
Como a barra de um vestido a rodar.

E cantam juntos
Brisa e mar:
Um pouco chiado,
Meio desafinado,
Em ritmo próprio,
Despretensioso
E harmonioso.
É ritmo de paz,
De tranquilidade,
Trazendo, embaladas entre as notas,
Gotículas a beijar minha pele,
A salgar meus lábios.

Sinto-me livre.

Minhas pálpebras cerradas sentem
O dia alaranjar,
Despedindo-se com esplendor.

Abro os olhos
E mais me encanto.
Vai-se, enfim, o sol,
Refugiar-se atrás da montanha.

Meu coração aplaude.











sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Pequena Nina - Parte 2 - FINAL

Por Mariana Juer Taragano

Imersa em tamanha euforia, Nina correu ao encontro do seu amigo, contaria tudo! Mas ele ainda não chegara. Sentou-se para esperá-lo e, de relance, notou sua mãe espiando pela janela. Pega em flagrante espiando a filha, rapidamente fechou a cortina. Nina sentiu um frio na barriga. Temeu que sua “pequena mentira” acabasse com toda aquela felicidade e tomou uma decisão.

Aníbal chegou também eufórico e surpreendeu Nina com uma caixa de bombons sortidos. Ele estava feliz porque havia colecionado ideias para ajudá-la a alcançar seu objetivo. Ela adorou a surpresa açucarada e, por alguns minutos, até se esqueceu do que havia decidido pouco antes. Começaram a desvendar os recheios e entretiveram-se entre embalagens e mãos meladas. Lavaram as mãos no chafariz e sentaram-se à sua borda.

Nina falou a Aníbal que tinha uma coisa séria para conversar e que não sabia como começar, mas ele deveria prestar muita atenção porque era importante. Contou sobre o dia anterior e Aníbal riu com a pequena mentira, recordando-se da época que tinha, realmente, dez anos. Eles, provavelmente, não seriam amigos, pois a vida, para ele, resumia-se a jogar botão e futebol com os outros meninos. “Como era bobinho” – pensou e suspirou ao se dar conta de como as crianças são mais espertas hoje em dia. Nina continuou falando como uma matraca. E concluiu afirmando que por essa mentira, não poderiam mais se ver, mas que poderiam ser amigos para sempre. Dessa vez, Nina fez-lhe recordar não da infância, mas de todos os foras que levara na vida. E riu. Lembrou-se que no mais recente sequer tivera chance de tentar mudar a situação, já que a moça não aparecera. Mas ele superara rapidamente, afinal conhecera aquela pequena grande menina. Aníbal tentou convencê-la a levá-lo até sua mãe para contar a verdade. Mas Nina estava decidida, pois sabia que ferira o “estatuto dos Carvalho”, agora “das Carvalho”, ao se aproximar de um estranho, o que seria imperdoável, ainda mais considerando-se a mentira. E Nina não queria “arriscar tudo que conquistara até aqui”. Aníbal entendeu, desejou-lhe sorte e felicidade e avisou que estaria por perto por mais uns dias, que poderia procurá-lo pela praça por volta do horário que sempre marcavam, caso mudasse de ideia.

Nina não apareceu mais na praça, nem para brincar, pois temia “iludi-lo”. A mãe, a princípio, estranhou Nina passar tanto tempo em casa, mas depois, ao ouvir a pequenina dizer que estavam em “lua de mel”, tranquilizou-se e entendeu a mudança repentina de perfil, agora mais caseiro.

Os dias passaram e Nina, embora feliz, começava a mostrar traços de apatia. Algumas vezes, espiava pela janela e voltava cabisbaixa para seus desenhos no chão da sala. A mãe começou a observá-la com mais cuidado. Certo dia, Nina desenhou a praça com duas pessoas sentadas em um banco. Outro dia, o chafariz chorava junto com uma menina e, noutro, passou horas colorindo a camisa de menino sentado na praça.

“Filha, por onde anda seu amigo novo?” perguntou a mãe, fingindo não ter notado nada. Nina, respondeu que não sabia, baixinho. A mãe insistiu em perguntar por que eles não haviam se encontrado mais e Nina olhou-a com uma lágrima escorrendo e, fazendo um pequeno bico, repetiu “não sei”. A mãe correu para abraçá-la. Consolou a filha com carinhos e colocou-a sentada no sofá. “Quer conversar, minha boneca?” perguntou carinhosamente. “Quero, mas não sei” respondeu. “Não sabe o quê, meu anjo?”. Nina abraçou fortemente a mãe, deitando sua cabecinha sobre aquele peito tão acalentador. A mãe respeitou a filha. Não quis pressioná-la e lembrou-lhe que as férias chegavam ao fim e em breve reencontraria muitos outros amigos. Após alguns instantes, convenceu Nina a acompanhá-la até a cozinha para preparar um brigadeiro especial.

Nina não estava bem. Tinha bons momentos, mas passava a maior parte do tempo mostrando sinais de que sentia um vazio. “Onde andaria aquele amigo?” pensava sua mãe, certa de que só poderia ser esse o motivo da tristeza na menina. Tentou puxar conversa incontáveis vezes, sempre com a tranquilidade suprema de quem só quer o bem, mas não conseguia fazer a filha falar mais. Logo a Nina, sempre tão “faladeirinha”! E que dor no coração aquela mãe sentia.

Acompanhada da mãe, Nina foi à escola. Estava ainda com aspecto desconsolado, mas parecia um pouco mais animada pelas expectativas do novo ano. Na volta, sua mãe sentou-se naquele mesmo banco que por vezes vira Nina sentar-se, exatamente em frente à sua casa. Olhou à volta, procurou pistas. Pensou que deveria ter feito isso antes da volta às aulas, poderia ter encontrado o amiguinho da filha. Pensava que talvez o menino tivesse buscado novos amigos, já que Nina sumira da praça por uns tempos para curtir a “lua de mel com a mamãe”. Quantas vezes retomava à memória a imagem daquela lágrima escorrendo enquanto Nina dizia não saber por onde andava seu amigo.

Os dias se passaram. A mãe de Nina voltava com frequência à praça em diferentes horários na esperança de salvar a filha da tristeza ainda muito presente na hora de dormir e nos desenhos da escola. Certo dia, sentou-se à beira do chafariz e respirou fundo ao olhar ao redor e se dar conta de que não adiantaria em nada aquela busca sem a presença de Nina. Por outro lado, tinha receio de retomar o assunto que já poderia estar adormecendo dentro da menina. Mas, como deixar passar algo assim? Algo que feria tanto o coraçãozinho de sua boneca e que, ao mesmo tempo, não conseguia entender plenamente já que Nina recusava-se a falar no assunto? Pensava, pensava e resolveu voltar para casa sem qualquer solução em mente. Foi quando alguém a chamou pelo nome “Branca!”. Ao olhar para trás, reconheceu um velho amigo de infância, cujo primeiro reencontro, meses antes, no jantar de confraternização da turma de escola, deixara a promessa de um novo encontro que nunca acontecera. Haviam marcado para poucos dias depois do tal jantar naquela mesma praça, onde agora se viam, mas Branca não apareceu, ainda tomada pela insegurança após o abandono.

Aníbal parecia não dar a menor importância à sua falta e sorriu com os braços abertos, tão receptivo quanto da primeira vez. Branca, com sorriso amarelo, enrubesceu imediatamente, mas ficou feliz. Pediu desculpas pelo ocorrido, explicou que ainda não se sentia preparada e que não poderia “iludi-lo”, mas não sabia como dizer isso pessoalmente e, então, aconselhada por uma amiga, simplesmente, resolveu não aparecer. Assim, ele entenderia que não valia a pena perder tempo com ela.

Conversaram bastante, caminhando pelo parque, e Aníbal deixou claro que não se sentia perdendo tempo em companhia daquela que fora a menina mais bonita da escola. Relembraram os bons e velhos tempos, as cartas de amor que ele mandara tantas vezes e que jamais foram respondidas. Mas foi com ele que ela dançou em seu baile de debutante e isso vingara todas as dores do passado, matando os outros rapazes de inveja. Afinal, valeu a pena praticar todos aqueles esportes como o pai exigia, só para ficar com “mais pinta de príncipe e ganhar a primeira valsa da princesa”. E riram.

Aníbal resolveu então contar o que acontecera naquele fatídico dia em que a princesa decidira deixar o príncipe a ver navios, ou melhor, “gangorras” no ponto de encontro. “Branca, se você acha que me dei mal, me dei foi bem! Conheci uma mocinha...” – e Branca interrompeu - “é mesmo? Não me diga” – sentindo um aperto no coração e um frio na barriga. Aníbal continuou “uma mocinha linda! Um broto! Literalmente um brotinho da flor mais bela já vista”-. Foi quando Branca começou a entender o tom irônico. “Explica logo, Aníbal!”. Aníbal riu e perguntou se Branca estava com pressa. E, inesperadamente, ela disse que sim, acelerando as passadas e cruzando a praça apontando para o ônibus escolar que se aproximava. Os dois apressaram-se em direção ao ônibus prestes a parar e o assunto se perdeu. Nem precisaria continuar, tamanha a surpresa que aguardava por todos.

Atravessaram a rua para receber “a filha da Branca”. Nina desceu o primeiro degrau e, ao ver seu amigo junto a sua mãe, esperando-a com um enorme sorriso, abriu a boquinha e, como num espelho, Aníbal teve a mesma reação, já se aproximando mais da porta do veículo, como se quisesse enxergar melhor. Nina saltou dali mesmo em seus braços e abraçaram-se enormemente.

Aníbal, olhando para Branca por sobre o ombro de Nina, e entre todos aqueles fios de cabelo sobre seu rosto, perguntou “preciso contar o resto da história?”. Em um leve sorriso, Branca fez um sinal carinhoso com a cabeça e abraçou os dois.

Entraram em casa e Nina matraqueou como já não fazia há “dias e dias e muito mais dias”, riram, divertiram-se, brincaram e conversaram sobre as penalidades de quem fere o “estatuto dos Carvalho”, mas como até o nome estava desatualizado, resolveram anistiar os criminosos e reescrever o estatuto. Aliás, nem seria mais categorizado assim, agora se tratava de um “código de honra”, como sugerira Nina, cujos olhos voltaram a brilhar e a refletir uma mãe sorridente, corada. E deu-se conta de que algo especial ocorria ali, ao ouvir da cozinha, enquanto buscava um desenho na sala, “Olha a Nina!”. E riu.

O tempo passou, eles escolheram um lar, juntos, os três, para viver uma nova história cheia de cores, sem lágrimas. Mas, mesmo com o passar dos anos, insistiam em passear por aquela velha praça, onde se sentavam naquele mesmo banco ou à beira do chafariz para não permitir que se apagassem tão belas memórias de um novo início. Início este que se dera “há anos e anos e muito mais anos”.



quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Pequena Nina - Parte 1 de 2

Por Mariana Juer Taragano



No reflexo do olhar, havia a casa com suas cortinas descoradas a balançar para fora da janela, como quisessem fugir. A grama, já não tão bem cuidada quanto noutros tempos, estendia-se sem brilho, sem cor, sem volume, até a pracinha de onde observava o cenário. Entre a casa e o banco, do qual pendiam suas curtas perninhas, além da enorme extensão de grama, para suas dimensões ainda infantis, havia a mureta que também já não era a mesma; não tinha mais cor e sua tinta, há muito, já descascara deixando lascas, ou lágrimas, de despedida de um tempo que não voltaria. Por trás da mureta, via-se parte das plantas e flores ressecadas que escondiam a humilde casa, onde vivia com sua mãe.

Ao sentir no ar um cheiro familiar, pensava como a comida havia melhorado com o passar dos anos ou, talvez, seu paladar ficara mais solidário com o sofrimento materno. Do alto dos seus sete anos, sentia que tinha uma missão a cumprir, só que esta ainda não era tão clara em sua mente e, tampouco, saberia como chegar aos objetivos finais.

Observando suas próprias palmas, lembrava-se de tempos antigos. Suas mãos cresceram até os quatro anos sob os afagos de pais carinhosos, mas certo dia, sem mais nem por que, seu pai fora arrancado de sua família, como sua mãe falava, por um anjo mau. Nina sabia, no entanto, embora não dissesse, em sua cumplicidade com as justificativas e sentimentos da mãe, que seu pai, um dia, saíra por livre e espontânea vontade por aquela porta. Porta que agora mirava semicerrada, enquanto ouvia, entre os poucos sons de pássaros a seu redor e ecos de crianças ao longe, o raspar da vassoura que lhe era tão familiar nas manhãs de sábado.

Aquele som fazia-lhe lembrar dos tempos em que seu pai, carinhosamente, surpreendia com um abraço quente sua mãe distraída enquanto cuidava do assoalho. Ela sempre reclamava – “meu bem, olha a Nina!”. E Nina não entendia o que havia para olhar nela. Era a felicidade de seus pais que dava prazer de ver. Não sabia exatamente por que, mas lhe enchia de gozo ver sua mãe corar com um brilho diferente no olhar. E divertia-se, pois sempre, sempre, ao espantar o marido, dava uma última olhada sobre os ombros, enquanto ele se afastava com um andar charmoso que era motivo de brincadeiras entre as moças da casa. Nina adorava ter esse pequeno segredo com sua mãe e pensava “um dia, quando crescer, quero ser feliz assim”.

Nina tentava encontrar um caminho para soltar sua mãe da corrente que já não lhe permitia mais aquele olhar, aquele brilho, aquele corar. “Será que tenho culpa?”pensara por vezes, até sua mãe convencê-la de que acreditava piamente na culpa do tal anjo mau.

E, influenciada pelo esmaecimento das lembranças do pai, convencera-se a parar de tentar entender sua partida. Mas, vendo a mãe aos trapos, varrendo agora a frente da casa, não tirava de sua pequena cabecinha sua responsabilidade pelos cuidados da mãe, que tantas vezes falara que, naquela casa, as “moças” sempre deveriam sorrir e estar bonitas.

Um som repentino quebrou a concentração de Nina. Um homem, a passos acelerados, aproximava-se. Pediu licença para sentar-se ao seu lado. E começaram a conversar. Conversaram sobre o tempo, o céu e o vento. Ele esperava por alguém e receava ter-se atrasado. Nina garantiu-lhe que, por ali, há muito tempo, não passava ninguém, pois estava de vigília há “horas e horas e muito mais horas”, devido aos exageros das mentes infantis. O homem sorriu e perguntou o que Nina tanto vigiava. Nina explicou que, certa vez, ouvira sua avó dizer que, para compreender melhor uma situação, era preciso olhá-la de fora e era isso que tentava fazer. Com indiscrição meninil, começou a relatar em detalhes cada pedacinho na história de sua vida. História vivida e imaginada, mas que, por certo, emocionava o desconhecido. Este se encantava com as preocupações de Nina e admirava-se com sua sensibilidade.

Em certo momento, Nina deu-se conta de que conversava com um estranho, o que era proibido no “estatuto residencial dos Carvalho”. Mas decidiu ignorar a regra, já que se sentia tão bem naquele momento. Parecendo ler sua mente, o homem, interrompendo a história de Nina, resolveu apresentar-se. Apertou sua delicada mãozinha e afirmou-lhe que aquela amizade ali iniciada jamais seria abandonada. Nina, então, questionou “nem que o anjo mau venha?”. Aníbal, com um doce olhar, afirmou que acreditava mais em fortes amizades que em anjos maus, não querendo desmerecer as justificativas da mãe daquele pequeno anjinho que o emocionava.

A hora do almoço estava próxima, o que sabia Nina somente pelo cheiro da comida que sentia na praça. Sabia que teria que deixar o final da conversa para outro dia, mas temia não haver um novo encontro para que seu amigo a ajudasse a encontrar uma solução para sua questão. Também não poderia demorar a tomar uma decisão, pois sua mãe iria procurá-la e, certamente, não gostaria nada de vê-la conversando com o estranho. Nina despediu-se de Aníbal pedindo que voltasse a visitá-la naquele mesmo local. Ele prometeu que estaria lá no dia seguinte pela manhã. Assim o fez.

Quando Aníbal chegou, Nina já o esperava, desta vez não tão concentrada, mas ansiosa pela expectativa do reencontro. Aníbal, ao cruzar a praça do ponto de ônibus até o banco onde se encontrava Nina, acelerou os passos. Também estava ansioso. Quando Nina o viu, rapidamente abriu um sorriso e seus olhos brilharam como se o esperasse há “horas e horas e muito mais horas”.

Sentaram-se como no dia anterior, lado a lado, olhando para frente, onde estava o cenário da pequena Nina. E puseram-se a falar. Aníbal mostrava-se curioso, interessado tanto quanto fosse possível e seu interesse agradava a menina que, claramente, não conversava com ninguém havia tempos. Em certos momentos, parecia não suportar a própria respiração.

Aníbal perguntou por que ela não brincava com outras crianças em tão ensolarado dia de verão, quando as crianças, de férias, têm como únicas preocupações, as brincadeiras. Nina olhou em seus olhos, deu um sorriso amarelo, olhou para a casa e respondeu que ela tinha uma “missão maior”, e que essa era sua única preocupação. Contou-lhe que durante o período de aulas, já brincava bastante, e as férias deveriam ser dedicadas a “tudo aquilo que há de importante na vida, mas que não dá para resolver enquanto trabalhamos, ou, no meu caso, estudamos”. Aníbal se impressionava com as frases sabidas de Nina e, a menos que receasse interromper alguma fala importante, sempre questionava onde ela havia aprendido aquilo. Mas havia naquele pequeno corpo, algo maior que frases de efeito e historinhas infantis. Havia uma alma enorme, amadurecida a duras penas pelo sofrimento que a vida já lhe causara, tão cedo. E indignava-se com as preocupações da menina. Tentava, o quanto fosse possível, eximi-la de qualquer vestígio de culpa.

Nina causava em Aníbal um sentimento paternal que o encantava. Embora tivesse curiosidade em conhecer as demais personagens de sua história, e por que não sua mãe, já que ambos estavam livres e desimpedidos, o carinho que já sentia por aquela pequena garotinha era suficiente para aquecer seu peito naqueles dias sem grandes emoções.

Nina calou-se por algum tempo e Aníbal respeitou sua decisão pelo silêncio. Ela franziu a sobrancelha e fitou a casa. Alguns longos segundos depois, não resistindo, Aníbal perguntou se estava tudo bem. Nina respondeu que precisava entrar, mas que gostaria de vê-lo novamente no dia seguinte.

Aníbal, brincando, respondeu: “Nina, você é uma menina de sorte, sabe por quê? Aliás, eu também sou um rapaz de sorte” - e Nina sorriu com um olhar de curiosidade. Aníbal continuou - “porque eu sou professor e, por isso, também estou de férias!”. Apertaram-se as mãos e Nina correu para casa.

Apressada, já gritando pela rua “mãe, mãe!”, praticamente invadiu a própria casa. Queria saber por que, naquela manhã, sua mãe não saíra para molhar as plantas ou varrer o quintal. Abraçando Nina e puxando-a para seu colo, explicou que estava bem e que mudara a ordem dos afazeres. “Minha bonequinha, às vezes, grandes mudanças começam pelas pequenas coisas”, falou sua mãe adicionando mais uma frase de efeito a seu repertório.

Nina resolveu contar à mãe que fizera uma nova amizade. E, ao ver a curiosidade da mãe no sorriso acompanhado de um levantar de sobrancelha, ficou feliz. Contou que seu amigo era mais velho, que tinha dez anos e que sempre conversavam na praça na frente de casa. Disse que era alto e que não falava muito, mas que dava risadas das suas piadas. Contou que inventaram uma brincadeira de contar histórias com enigmas para serem desvendados em conjunto. Havia ainda a brincadeira dos polegares. Sua mãe perguntou se não corriam pela praça e, um pouco sem graça, Nina disse que sim, pois aprendera que “uma pequena mentira para o bem pode ser válida, mas só de vez em quando”. Nina, há muito, sentia falta desse colo da mãe, recheado de brincadeiras, beijinhos, cheirinhos e conversinhas gostosas de quem é cúmplice. E lembrou à mãe que elas não tinham mais um segredo em comum, precisava de um segredo com urgência! Mas qual seria? Já estava próximo do horário do almoço e as duas foram para a cozinha juntas e sorrindo, envolvidas pelo papo nostálgico. Nina recordou do dia em que sua professora mais querida afirmou-lhe que logo, logo sua mãe voltaria a sorrir. “Dito e feito”, pensou.

No dia seguinte, antes de ir ao encontro com o novo amigo, Nina reparou que sua mãe estava diferente, perfumada, mais arrumada e alinhada. Arrumava a casa cantarolando alguma coisa. Quando Nina foi ao quintal, percebeu que já estava arrumado e “reflorestado”. Nina ficou orgulhosa da atitude ambiental da mãe e saiu correndo para abraçá-la e parabenizá-la, mas lamentou não ter participado do feito. Sua mãe tranquilizou-a, afirmando que de agora em diante a responsabilidade sobre a “floresta” seria exclusivamente de Nina. E ela ficou feliz. Sabia que tudo aquilo significava algo além.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

E Deus criou as Gorduras Saturadas

Por Mariana Juer Taragano


Alguém me explica por que Deus inventou as gorduras saturadas?

Numa boa, não foi naquela primeira semana. Certo que não. Naquela semana, ele inventou coisas lindas como, por exemplo, as aves, os peixes e a mulher.

Aí, passou um tempinho e a mulher foi cair na asneira de provar da maçã! Ele falou para não fazer e ela fez. Poxa, se ainda fosse uma batata frita... Eis que Deus resolveu castigar e criou o pudor. Mas não satisfeito, junto com o pudor, aos poucos, ele foi inventando a pancinha, os culotes... E, para piorar tudo, ele inventou o biquíni!

Um dia, uma infeliz qualquer ligou para o disque reclamações e caiu na secretária eletrônica de Deus. A menina, enfurecida, mandou ver e esbravejou cobras e lagartos.

Deus, já de saco cheio, disse: Eis que vos tenho dado toda a beleza possível, mas não a tem reconhecido.

E criou Deus as celulites à imagem e semelhança de uma laranja. E Deus as abençoou e disse: Frutificai e multiplicai-vos!

E como toda peste precisa de alimento para proliferar-se, Deus disse: Que se façam alimentos tão tentadores quanto as maçãs do paraíso para tornar as mulheres escravas eternas da tentação. E surgiram as gorduras saturadas!

E as maçãs? Bem, as maçãs, Deus deixou de lembrança de tempos que não voltam... Sirva-se à vontade!

Visões x Inspirações de Manoel de Barros


Manoel de Barros em entrevista (2007)
Fonte: Canal Futura


“Eu conheço inspiração só de nome. Eu nunca tive inspiração. O que eu tenho é visão. O que o poeta tem, o que o escritor tem, são visões. A visão vem sempre acompanhada de loucuras do poeta, de sonhos, de fantasias, de coisinhas à toa, sabe? De bobagens profundas.”

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A bula do meu antialérgico

Devido à presença de sulfato de pseudoefedrina na formulação ("pseudoefedrina" - penso logo naquelas figuras saltitantes emblemáticas das festas rave), o uso (...) pode causar diminuição do apetite (não contem isso para as mulheres às vésperas do verão!), sensação de maior energia física (uhuuu e quem não precisa nesta época do ano?) (...) e tagarelice! (...) a suspensão súbita pode causar depressão".

Esqueceram de colocar: proibida a utilização por mulheres à beira de um ataque de nervos!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ferida

Por Mariana Juer Taragano


Escorre a lágrima,
Escoa o sal.

O sal que seca
E que, de tanto secar,
Fere.

Ferindo, faz chorar
E, chorando, faz curar.
Curar a ferida que maltrata.

Cicatrizando a ferida,
Cessa o choro.

Mas e se o choro não cessar?
E se a ferida não fechar?
E se o sal ficar?

Então, como um rio,
O tempo há de passar
Para a ferida, limpar
E a lágrima, arrastar.

Com ele, o sal, vai levar
Para no mar desembocar.
A dor há de cessar.


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Aos fofoqueiros de plantão!


Se a sua vida é interessante, por que gastar tanto tempo se metendo na dos outros? Ah, não é? Coitado(a), então use seu tempo para torná-la! Ou, compre uma revista especializada e deixe os outros em paz! ;)


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Joana - PARTE 4 (FINAL)

Por Mariana Juer Taragano

Envolvi a cintura de Joana arrastando-a para dentro. Encostei-a contra a parede logo ao atravessar a porta e a beijei, acariciando veementemente seus seios. Joana passou uma mão ao redor de minha nuca e a outra entre as minhas pernas. Nos beijamos, nos acariciamos alguns minutos ali, atrás da porta, como dois alucinados.

Levantei Joana, passando suas pernas em volta da minha cintura e ela me agarrou ainda mais forte enquanto a levava para a cama. Deitei-a sobre a cama lentamente, quebrando aquele ritmo frenético com que nos devorávamos, deitei-me sobre seu corpo e segurei seu rosto com as duas mãos olhando em seus olhos. Joana me olhou também e me perguntou:

- Está tudo bem?

E respondi:

- Não poderia estar melhor, mas quero ir um pouco mais devagar. Tudo bem?

Joana deu um sorriso meigo e disse:

- Com carinho, não é?

Beijei seu rosto, sua boca, curtindo cada pedacinho daquela menina. Tirei sua blusa, subindo desde a barriga com beijos, língua e leves mordidas. Aqueles pelos claros se arrepiavam, o que me excitava ainda mais.

Virei Joana de costas e descobri belas costas. Passei as mãos por elas, sentindo aquela pele macia. E recomecei os beijos, da base de suas costas, segurando o elástico de sua calça, que eu ameaçava tirar, mas ainda não iria fazê-lo. Passei os lábios no início de seu bumbum, e fui subindo. Segurei sua cintura, passei a língua na sua espinha, dei pequenas mordidas e, no meio do caminho, tirei minha camisa. Quando cheguei à sua nuca, meu peito encontrava sua pele e a abracei, sentindo seus seios em minhas mãos, contra a cama.

Eu me roçava em seu bumbum, instigando ainda mais suas fantasias. E ela se empinava para mim, parecia querer vencer as barreiras criadas pelo que ainda tínhamos de roupas. Joana passou uma mão para trás, tentando enfiá-la em minha calça. Lentamente, virei Joana de frente, beijando seus ombros, seu colo, seus seios.

Me ergui, abri meu zíper, peguei sua mão e coloquei dentro da minha calça. Ela me segurou firme e perguntou:

- Por que você ainda não tirou a minha roupa?

E respondi:

- Por que, Joana, eu quero curtir cada pedacinho seu, quero saboreá-la.

Ela me puxou contra seu corpo e me beijou, enquanto empurrava com as mãos, e depois os pés, a minha calça. Puxei sua calça. Ver aqueles quadris, aquela barriquinha e aquela aquele púbis desenhados perfeitamente sob aquela calcinha lilás me surpreendeu ainda mais. Meu coração deu outro salto, me senti mais excitado. Passei as mãos sobre suas coxas, seu quadril, beijei sua barriga e fui descendo, sem tirar a calcinha do lugar. Joana gemia, e sussurrava:

- Eu quero você.

Ela suspirava baixinho, se contorcia. Passei a língua na sua virilha. Ela estava quente, úmida e suada. Eu estava cada vez mais enlouquecido com seu cheiro, seus sussurros, seu gosto. Joana, parecendo não aguentar mais a minha lenta degustação, me puxou pelos cabelos e, me olhando, puxou a alça da calcinha com a outra mão, soltando-a em seguida, num estalar que tinha um significado muito claro. Arranquei sua calcinha, envolvi-a pela cintura e, em um impulso, coloquei-a sentada sobre mim. Nos encaixamos como se fôssemos desenhados para isso. E ela gemeu baixinho em meu ouvido. Passamos horas ali, suando, falando besteiras ao pé do ouvido do outro, curtindo.

Quando tudo parecia estar se acalmando, uma nova onda nos devorava. Essa mulher me beijou e me acariciou com tamanha precisão que acreditei que nunca mais seria capaz de sair daquele quarto. “Nunca mais” já faz uma semana. O que eu faço com essa mulher?

- Sinval, o que você está fazendo? – Pergunta Joana vindo do banheiro, nua, deixando pingos d´água pelo quarto.

- Estou pensando, Joana, sobre uma carta que preciso escrever a um amigo.

- Saudades do amigo?

- Sim.

- Vai me deixar?

- Te deixar, ruivona? Nem pensar. Estou apenas precisando desabafar, pedir conselhos a um velho amigo sobre uma ruiva que acabou de entrar na minha vida, me roubando de todo o resto.

- “Roubando”? Está reclamando?

- Não. – Respondo divertindo-me.

- Esqueça os conselhos, por favor!

- Joana, você me diverte sabia? Do que você tem medo, menina?

- Não quero que isso acabe.

- “Isso” não precisa acabar. Mas eu preciso voltar ao trabalho, e você está perdendo aulas, moça.

- Está reclamando? – pergunta Joana novamente com ares de deboche.

- Joana, sabe o que eu mais gosto em você? Essa sua segurança misturada com seu jeito de menina nessa sobrancelha levantada e nesse sorriso sagaz. Precisamos ir embora.

- Para onde você vai?

- Para minha casa, e você vem junto.

- Como?

- Você vem comigo, está decidido. Não disse que não queria que isso acabasse?

- Disse... Eu vou?

- Pra nunca mais me largar. Mas tem uma condição...

- Qual?

- O lado direito da cama é meu. Topas?

- Mas eu prefiro o direito!

- Joana!?

- Fechado!

 



sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Joana - PARTE 3

Por Mariana Juer Taragano

Juro que naquele momento lembrei-me da história da lua. Que vontade de falar daquele bumbum. Eu já havia reparado um pouco quando ela se levantara para ir ao banheiro mais uma vez. Sob a calça de tecido suave eu via leves curvas movimentando o pano. Pensei em falar algo bem safado para ela, mas eu estragaria tudo. Não combinaria com o momento. E respondi:

- Joana, eu preciso te confessar que hoje o teu cabelo me inspirou, amanhã vou escolher alguma madeira bem avermelhada para começar algo novo.

Joana se esbaldou em uma risada que me instigou ainda mais.

- É mesmo? E que tipo de móvel seria? Uma mesa? Uma cadeira cheia de argolas?

- Talvez. Mas uma coisa é certa. Usaria canjerana! Uma madeira muito especial. É forte como você, tem frutos belíssimos... – parei por um momento ao notar que, pela primeira vez, aquela inquietude em pessoa me olhava com tranqüilidade, profundamente.

- Por que você parou?

- Parei, Joana, porque acabei de me dar conta do quanto você ilumina o ambiente onde está.

- Então eu serei uma luminária? – perguntou rindo, meio irônica, mas no fundo, aquilo era o jeito de demonstrar que ficara constrangida com o elogio. Ou, talvez, fosse só seu jeitinho alegre mesmo.

- Joana, você “pode ser” uma luminária sim. Mas, mais que isso, você alegra o ambiente também, então teria que ser algo com um desenho moderno, divertido.

E falamos de arte, de cinema, de música, de esportes, da infância, da praia, das sardas de Joana. Tive desejo de saber até onde iam aqueles pontinhos charmosos. Eu queria contar quantos havia espalhados pelo seu corpo e quantos anéis havia em seus cabelos.

Toda vez que a manga da bata hippie que Joana usava deslizava sobre seu ombro, ela rapidamente a colocava no lugar. Eu ficava imaginando como seria se ela não a levantasse mais. E pedi:

- Para.

- Para o quê?

- Para de colocar no lugar. Deixa a manga assim.

- Assim, caída? – perguntou passando a mão sobre o ombro, descendo a manga lentamente para o lugar de onde a tirara. Eu me lembro dessa cena claramente, mas não tenho em minha mente seu esmalte descascado, e sim a imagem de dedos delicados obedecendo a meu pedido com suavidade. E Joana completou, me provocando:

– Mas se ela descer mais, corro o risco de ficar nua aqui.

Nada respondi, fitei aquele ombro, sua “saboneteira”, seu colo. Uma suave marca de biquíni mostrando algo além daquela brancura salpicada de sardas. Joana respeitou meu momento e ficou me olhando de volta. Minha mão direita estava sobre a mesa. Ela, lentamente, aproximou sua mão da minha. Encostou seu mindinho em meu indicador. Fez um leve carinho que eu correspondi, sem tirar os olhos do seu rosto. Olhei sua boca e ela escorregou dois dedos sobre minha mão. Fitei seu colo e sua mão inteira deslizava sobre a minha. Olhei para os seios levemente marcados sob a bata escura e foi quando percebi que se excitavam junto comigo, me peguei boquiaberto. Respirei fundo. Ela apertou minha mão. Ela me correspondia. Já estava completamente excitado e com a mão que eu largara sobre o meu colo minuto antes, não resisti em me tocar.

Olhei então nos olhos dela para saber se havia notado, se havia se incomodado. Então, ela mordeu os lábios, passou a mão direita na nuca, enquanto a esquerda roçava eroticamente a minha. Estávamos sentados frente a frente e, ela, com semblante sério, mas totalmente tomado de desejo, subia e descia o olhar entre meus olhos e aquilo que ela não podia ver, escondido sob a mesa, mas que, certamente, conseguia imaginar e queria que eu soubesse disso.

Ela demonstrava nitidamente que se deliciava com aquela situação. Nós estávamos em um hotel e sabíamos que poderíamos pedir um quarto a qualquer momento. Mas havia naquela cena um erotismo, um suspense que intrigava direita e esquerda. Começamos a roçar nossos pés sob a mesa, mas muito sutilmente. Trocamos olhares muitas vezes. Eu reparava como o peito dela se enchia de ar, o que parecia estar roubando todo o ar da sala, roubando todo o meu oxigênio. Eu respirava fundo cada vez que observava um movimento de excitação dela ou uma tentativa qualquer de autocontrole para não dar bandeira. E me dei conta de que estávamos completamente entregues a um desejo que poderia nos expor a qualquer momento a uma situação que poria fim àquela noite mágica.

Respirei fundo, levantei a mão que antes estava sob a mesa e acenei para o garçom, pedindo a conta. Joana puxou o meu braço para baixo, colocou minhas mãos em seu rosto e disse:

- Você não vai embora, não é?

Eu sorri e disse:

- Que homem no mundo seria capaz, ruiva?

Ela sorriu aliviada, soltou minhas mãos levemente para que eu continuasse fechando a conta e me olhou, levantando a sobrancelha esquerda, enquanto apoiava o rosto sobre a mão direita. Foi a primeira vez que vi Joana sem graça, de verdade. Suas maçãs do rosto ficaram levemente rosadas. Parecia acordar de um sonho e se dar conta de que dormira em algum lugar completamente inusitado.

Ao entregar a conta, o garçom me trouxe também a chave de um quarto. Paguei e me levantei, estendendo a mão para ela. Entramos no elevador. Paramos de frente para a porta, de mãos dadas. Joana me olhava. Chegamos ao quarto andar quando retribui o olhar, abrindo a porta. Meu coração nunca batera tão rapidamente por uma mulher. Joana parecia saber disso ao me fitar os olhos mais uma vez enquanto eu tentava abrir a porta do quarto. E me perguntou:

- Você está tenso, não está?

- Estou Joana, não vou mentir para você.

- Eu fico lisonjeada em saber que te deixo nervoso. Também estou nervosa, coloca a mão aqui – puxou minha mão da maçaneta, colocando sobre seu peito. A batida era forte, seu corpo estava quente, e a porta se abriu.

Envolvi a cintura de Joana arrastando-a para dentro.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Joana - PARTE 2

Por Mariana Juer Taragano



Aquela moça me provocou arrepios no momento em que a vi e me beijou após calar minha boca em um ato intenso, marcante. E o cheiro daquela mulher ficou impregnado no ar que eu respirava por muito tempo.

Quando aquele beijo acabou, Joana perguntou meu nome e se apresentou, cumprimentando-me com um aperto de mão firme, acredite. Com a mesma mão me arrastou até a mesa, onde estavam seus amigos e disse:

- Meus amores! Estou indo com este direitista discutir se a lua foi mordida por um rato ou por um militar, depois eu ligo para contar a conclusão.

Nem consigo imaginar a minha cara de insatisfação com tal comentário naquele momento. Mas confesso que me causou certa euforia ouvi-la falar de mordida na lua. Talvez querendo me vingar intimamente daquele comentário sórdido, comecei a pensar em um jeito de lançar algum trocadilho que comparasse a bundinha branca dela à lua. Mas eu não poderia, aquela mulher me tirava o prumo!

Saí do bar, em plena ditadura militar, arrastado como um preso político por uma esquerdista assumida. Aquela mulher era confusão certamente.

Atravessamos a rua de mãos dadas, seguimos por mais uns minutos em silêncio como se nos conhecêssemos de longa data. Então, segurei firme sua mão e a puxei para perto de mim. Olhei no fundo daqueles verdes olhos e perguntei:

- Menina, o que você quer comigo?

Ela, perspicaz, respondeu:

- O que você quer comigo?

Sorri:

- Você sempre responde com perguntas?

Ela, mais uma vez, me pegou:

- Seria mentira dizer que foi você quem puxou papo?

Ali percebi que aquele momento tinha que ser especial. Uma luz refletia no olho direito dela e fixei meu olhar naquele ponto para tentar um pouco de concentração. E um pouco de coragem também.

- Menina, vou fazer uma sugestão: o que você acha de sentarmos em um bar, só nós dois, para continuarmos essa conversa de maneira mais tranquila e equilibrada?

Joana respondeu que aceitaria, contanto que eu não exigisse tanto equilíbrio de sua parte. Esse jeito brincalhão e transparente me enchia de afeto por aquela pessoa que mal conhecia, mas de quem, sabia, não seria fácil me despedir. Fomos andando e, pelo caminho, fomos discutindo os porquês deste ou daquele bar não servir para nosso “momento íntimo”, como dizia Joana. A cada passo, me dava conta de que o tempo ia passando e que em breve eu teria sim que me despedir. Isso me inquietava.

- Ali! É para lá que vamos! – Disse Joana apontando para um bar no térreo de um hotel de quinta categoria.

- Mas ali? É meio sujo...

- Vamos “moço arrumado”, lá é perfeito! – Empolgou-se a ruiva, já me arrastando pela rua.

Eu não tenho ideia do que fazia aquele lugar ser algo “perfeito”, mas era o que ela queria, e fomos. Sentamos e, felizmente, nesse lugar, ela não chamava os garçons pelo nome. Perguntou se eles tinham café forte e pediu dois. Tomamos incontáveis xícaras de café, enquanto o tempo do lado de fora passava. Mas, do lado de dentro, nosso tempo passava ileso. No salão fechado, só havia uma grande janela, através da qual a claridade jamais penetraria, bloqueada por uma cortina de tecido grosso, esverdeado, velho e desbotado.

Conversamos muito e até tentamos falar sobre política, mas, após um trato muito bem elaborado pelo ruivo cérebro esquerdista de Joana, nos limitamos a contar alguns motivos de termos esta ou aquela ideologia. A explanação deveria durar, no máximo, cinco minutos e deveria ser livre de perguntas ou olhares questionadores. Demos risadas. Joana, durante sua emocionante explicação, segurou firme minha mão contra a mesa, ao me pegar estalando e apertando os dedos. Durante a minha, Joana levantava a sobrancelha e, algumas vezes, inclinava o corpo sobre as pernas cruzadas, abraçando-as, em uma demonstração de força para segurar as emoções. Rimos e, quando essa primeira parte da conversa se encerrou, falamos de tudo. Eu queria saber da sua faculdade de jornalismo e ela queria saber da minha profissão. Ela queria entender como um artista, supostamente “mente aberta” como eu, podia ser de direita. E eu, não querendo mais lembrar do que nos distanciava, respondi:

- Joana, sou um artesão, não exatamente um artista nos moldes do que chamam de artista hoje. Minha vida não é de fato tão envolvida com política. Gosto mesmo é de olhar para as coisas e para as pessoas belas e me inspirar. Sou capaz de passar horas apreciando uma linda vista, uma casa, um jardim, imaginando um móvel que combine com aquela sensação. Adoro me sentir inspirado e, sinceramente, para mim, política não tem esse poder.

- Me conta mais das suas paisagens, o que tem te inspirado? – perguntou Joana com uma feição suave.

Juro que naquele momento lembrei-me da história da lua. Que vontade de falar daquele bumbum...

CONTINUAR - Parte 3

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Joana - PARTE 1


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Por Mariana Juer Taragano

Conheci a Joana em um bar na Cinelândia. Um final de semana de verão, inúmeras possibilidades e fui parar no bar onde aquela ruiva meio pirada estava. Mas quem pirou fui eu.

Joana estava sentada junto a outros amigos bichos-grilos em uma mesa de canto. Eu entrei no bar e a primeira coisa que avistei foi aquela cabeleira incandescente muito cacheada envolvida por um lenço roxo. Joaninha nem me viu. Envolvida em uma discussão acalorada regada a muitos chopes, nem olhava à volta. Mas com tanto líquido ingerido, uma hora ela teria que ir ao banheiro. Arrumei um lugarzinho próximo ao balcão do bar, em um estreito corredor, por onde aquela figura intrigante teria que passar em algum momento.

E foi assim que nos conhecemos. Quando ela passou por mim e tentei puxar um papo, ela deu uma piscada suave, talvez pelo charme próprio da beldade, talvez pelo charme do álcool contido na tulipa que a ruiva não permitia esvaziar, e acenou com o indicador, pedindo um minuto. Sua unha, pintada de vermelho, estava descascada na ponta. Eu sempre disse, em meus discursos de playboy da zona sul do Rio, ou de machista de meia tigela, que mulher, para ter chance comigo, precisava ter mãos impecáveis. Quando vi aquela unha, o único sentimento que tive, ao contrário do que imaginaria em outros tempos, foi de emoção, de graça. Meu peito se encheu de adrenalina de tal forma, que me peguei rindo de mim mesmo, ao perceber que aquela mãozinha, com ou sem unha vermelha, com ou sem impecabilidades, me fazia pensar em cometer pecados. Aquelas mãos sardentas e aquele sorriso sapeca me deixaram louco, tomado por um sentimento, que naquele momento acreditei ser tesão, mas era mais que isso, era paixão mesmo.

Joana saiu do banheiro ainda esfregando as mãos úmidas na calça e quando se viu pega no flagra, sorriu, deitando o rostinho sobre o ombro direito levemente levantado. Virou-se então para o balcão e pediu com toda a pompa de quem manda no local:

- Seu Nivaldo, não tem mais papel toalha no banheiro!

Aí eu pensei: “Agora já era, a menina é bebum, vive na boemia e, pra piorar, é da esquerda ferrenha! Só pode ser, pelos tipos com quem está!”

Então, a ruiva me olhou como quem esperava uma frase qualquer durante aqueles dois passos que daria para passar por mim e seguir para sua mesa. Fiquei meio sem jeito, talvez até enrubescido, o que faria todo o sentido dada a tamanha empolgação que me invadira, mesmo com aqueles vieses percebidos. No fundo, nada daquilo me faria mudar de ideia. Então, brinquei com ela:

- Bem, você bebe um chopinho, curte uma boemia, tem um estilo despojado... só falta dizer que é de esquerda!

Joana abaixou a cabeça e me lançou um olhar de baixo para cima, meio de lado, levantando uma sobrancelha e falou:

- Bem, meu bem, você usa camisa de botão, tem o cabelo arrumadinho, a barba bem feita e não sabe se aproximar de uma mulher. Só pode ser de direita!

Abri a boca para responder alguma coisa que certamente só estragaria ainda mais aquele momento que mal havia começado - e por que não dizer que havia começado mal? – quando Joana colocou rapidamente dois dedinhos daquela linda mão ruivinha sobre a minha boca e falou:

- Fica quietinho, fica, porque eu já gostei de você e não quero que isso mude.

Nossa mãe do céu! Era um presente divino. Só podia ser. Eu sempre tive fantasias com mulheres ruivas, mas nunca havia saído com uma. Aquela moça me provocou arrepios...

 CONTINUAR - Parte 2

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Maldita família desequilibrada - PARTE 2 - FINAL

por Mariana Juer Taragano


No dia seguinte, acordei resolvido a matar o maldito trabalho... A causa era nobre: um grande amor... Diria qualquer coisa “me encontro enfermo, enfermo de febre, de febre de paixão de chama que me consome”... Entrei no ônibus atrás da beldade. Ela se sentou lá na frente, como uma boa moça de família. Que balanço sobre aqueles saltos e que bela panturrilha percorreu o corredor... Ai, meus instintos imploravam por um beijo na dobra atrás do joelho e uma mordida naquela linda batata da perna... Agora o vestido era mais curto e mais ousado, a primavera estava linda e alva, elegantemente vestida. E os benditos cabelos?? Por que não os solta??

Num dia de calor, me levantei e fui mais cedo para o ponto, me preparei para descobrir mais detalhes daquela beleza misteriosa... Mas ela já estava lá quando cheguei... Linda de vestido mais justo, branco, mais curto e decotado... Seu chapéu, de abas estreitas, já me permitia ver um pouco mais daquela alva face. Como ela era linda. Não, não me enganei, ela era definitivamente a mulher dos meus sonhos, que já não usava aqueles sapatos fechados que mal me permitiam ver seus belos pezinhos... Um escarpim fino aberto atrás me permitia ver que tinha um lindo calcanhar, rosado, fino e firme sobre aqueles terríveis e maldosos saltos. Ah... Aqueles saltos... Aquela postura empinada... Que curvas e aquela batata! Mulher elegante de pé delicado... Isso era o paraíso na Terra. Mas eu precisava de coragem, e ia me preparar para falar com ela.

No dia seguinte, respirei fundo, já era verão e nessa época as pessoas são mais calorosas, receptivas. Estava resolvido. Contaria tudo a ela, que a vira tantas vezes e que não resistira à gana de saber, no mínimo, seu nome. Contaria que ela exercia essa força estranha de atração sobre mim. E se fosse comprometida? Não, não era possível, pelo menos, casada não era, pois nunca vira uma aliança naqueles longos e belos dedos que por tantas vezes acompanhara em seus movimentos para ajeitar os grampos do chumaço castanho.

Decidi sair da inércia e ir em frente. Fui ao ponto. A moça já estava lá, linda, elegantíssima e aquele rosto incrível me fitou os olhos por menos de um segundo, mas me fitou. Agora eu não era mais um estranho; ela me viu e me notou. Fui até ela, olhei em seus belos olhos castanhos e comecei “bom dia” e ela delicadamente, ainda que seguramente me respondeu “bom dia” e não resistindo ao momento, a olhei de cima a baixo. Poderia engoli-la naquele instante, mas quando meus olhos passaram na altura de seu colo, enchi meu peito de coragem e falei “olha moça, eu a vejo sempre...”, estava a ponto de continuar a frase, quando meus olhos alcançaram seus pés. Quase não me contive com tamanha felicidade ao encontrá-los em belas sandálias e não mais naqueles sapatos fechados e graças a deus me contive! Que pé feio!!! Malditos dedinhos!!! Ah não, mulher com pé feio não serve para casar, nem para amar! A tempo, eu percebi que seus dedinhos pareciam mais uma família infeliz e desequilibrada! Respirei fundo e continuei “Olha moça, eu a vejo sempre aqui no ponto e já até pegamos a mesma condução, a senhora perde muito tempo, deveria pegar o ônibus 677. Até mais ver!” e ela, educadamente, agradeceu “Obrigada senhor”.

Gostou do conto? Gostaria de ler outro? Que tal "JOANA" ?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Maldita família desequilibrada - PARTE 1

Por Mariana Juer Taragano

Mais uma vez eu estava naquele maldito ponto de ônibus. Minha vida não passava de uma bela caixa de não surpresas e a rotina me sufocava de tal forma que parecia fazer minha vista embaçar. Talvez não quisesse enxergar a minha sina de funcionário público, mal pago, descrente e sem amor. Ah... Um amor, eu sonhava sim com ele... Até que em uma manhã de um dia frio, a vista pareceu desembaçar...

Naquela segunda-feira, no ponto de ônibus, algo balançou ao vento e me chamou a atenção. Meu coração palpitara, as pupilas dilataram e não era uma miragem. No ponto de partida de minhas jornadas diárias rumo ao martírio, eu encontrara o amor de minha vida. Não, não era linda, mas era estonteantemente deslumbrante... Fios louros que escorregaram de todo o chumaço de inebriante cabelo mal preso no topo da cabeça balançavam ao ritmo do vento e me hipnotizavam... Aqueles benditos fiozinhos eram os resquícios infantis de uma cabeleira castanha que pesava, a qual eu imaginava se soltando daqueles grampos, me cegando...

Seu pescocinho delicado introduzia em meus olhos o caminho traçado por uma leve pelugem clarinha até as belas costas que se iam apenas até as fronteiras do muito comportado vestido azul. Ombros escapavam ilesos e ilícitos das alças; brancos, visivelmente macios e lisos. Não havia uma sarda, marca, pinta naquela mulher. O que me instigava a procurar. Mas me recusei a descer o olhar. Não, não! Preciso respeitar essa que pode ser a grande mulher! Ai, ai, ai, oras, mas o que estou pensando??? Oras, oras e oras bolas, será possível??? Já entrei no meu mundo fantasioso??? Vamos rapaz, desça o maldito olhar! Quem é essa moça afinal para causar tamanho furor e repentino respeito??? Você, em sua mediocridade, nunca a terá mesmo!!! Decidido, desci o olhar. Linda cinturinha, proporcional àqueles belos ombros, nem largos, nem finos, apenas femininos. Ardentes talvez, e quem sabe, ávidos por beijos...

Por um momento, achei que veria seu rosto, mas ela me enganou. Uma leve virada para verificar se seu ônibus se aproximava apenas me permitiu ver seu lindo maxilar, delicado, bem delineado, branco, e a boquinha... Hum... Certamente feita para beijar. Mas foi tudo tão rápido, nem pude ver seu perfil decentemente. Para minha sorte, o ônibus não chegara ainda... O meu, já passara duas vezes!

Sob o vestido azul bem cintado, havia um belo quadril, certamente. Um quadril imaginário, pois a saia rodada não me permitia ver muito, mas mulher como aquela não poderia ter um quadril feio, desproporcional... O meu ônibus chegara e no susto com o grito do colega de departamento “Bom dia Sr. Osório! Venha, entre logo!” à janela, me senti perdido de pavor, como uma criança pega em flagrante furtando o morango do bolo. E quando caí em mim, na minha realidade de assalariado, atrasado, mal pago, mal amado, e com péssimos e malditos colegas, nem pude me despedir com um olhar que fosse. Quando corri para um lado, me dei conta de que o vestido azul correra para o outro, de costas - de lindas costas- para pegar a sua condução.

E os dias passaram e vi um vestido vermelho rodado, belas orelhas, linda nuca; um vestido preto que de tão fechado para protegê-la do frio matinal, me deprimiu, belas botas; um vestido cinza, triste... tal cor deveria ser proibida! Não fosse a inexorável justeza e a permissiva transparência que me consentiram conhecer melhor o bendito quadril misterioso e a marca da lingerie. Ai deus me perdoe, a marca da lingerie... Marca ondulada... Indício uma renda sacana, que quase me arrancou lágrimas de emoção...

Minha falta de coragem em me aproximar me posicionava sempre no fundo do ponto de ônibus e quando ela chegava, sempre por uma ironia do meu destino, ou a moça olhava para a rua, o que me permitia apreciar apenas parte de seu perfil, ou estava de chapéu que fazia sombra em seu rosto... Maldita mulher! O que ela tem de errado que esconde a face??? Ainda vou segui-la, até descobrir o que essa moça encobre.

No dia seguinte, acordei resolvido...

CONTINUAR - Parte 2 e final

Hotel Caravelas

Por Mario Fioretti


Abri os olhos e vi o teto, forro manchado, com um lustre cheio de insetos mortos.
Sob meu corpo, a cama não tinha sido desfeita. Dormi vestido em cima de uma colcha estampada com cores quentes. Laranjas, marrons e ocres. Feia.
Lembrei, divertido, do porre da noite passada. Fazia tempo que não bebia tanto.
Levantei meio tonto, fui até o banheiro, me olhei no espelho – horrível - e lavei o rosto. Uma lâmpada esmaecida e amarelada me iluminava. Olhei para o chuveiro, depois para a toalha e decidi não tomar banho.
Deixei o quarto e fui até a sala do café da manhã. Tudo muito simples. Nas mesas marinheiros asiáticos conversavam em suas línguas estranhas. Tomei um café e pão com manteiga, espantando algumas as moscas de verão.
Paguei a conta e saí. O dia era de sol, sábado de manhã. Estava em Santos, tinha acabado de me separar. Dei risada daquilo tudo, me sentia livre e feliz como nunca.
Minha vida estava recomeçando.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Rezano pa nosso sinhô ajudá a votá


Por Mariana Juer Taragano


Ai meu deus, num sei mais o que fazê...
Sei c´o sinhô é muito ocupado,
Mas acho que agora só tô pudeno memo é rezá.
Eita nóis...
Rezo pa nosso sinhô
Trazê boa aventurança pa minha gente.
Tô cum medo desse novo presidente...
Afe Maria...
Mas desisto não sinhô.
Vô votá pa ter dias mió.
E se vinhé pió,
Há de sê pa aprendê,
Aprendê as lição da vida,
Mas se o sinhô
Concedê bons fado,
O povo se alegra!
Oh se alegra...
E eu prometo, nosso sinhô,
Nunca mais esquecê d´ocê,
Nunca mais esquecê as reza,
Fartá as missa,
Jeito ninhum...
Pai do céu!
Pai dos pai!
Ilumina o caminho desse meu povo...
Sei c´o sinhô tá inté cansado!
Mas dá mais uma chance?
Uma só pr´esses teu fio
Esses assim...
Que às veiz é meio mole
Cum as corrida da vida
E que outras veiz é meio duro
No jeito de tratá
E no borso tamém, né nosso sinhô?
Mas no fundo...
No fundo tem bom coração...
Mais uma chance meu pai?
Agradicido.
Boa noite.