quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Joana - PARTE 2

Por Mariana Juer Taragano



Aquela moça me provocou arrepios no momento em que a vi e me beijou após calar minha boca em um ato intenso, marcante. E o cheiro daquela mulher ficou impregnado no ar que eu respirava por muito tempo.

Quando aquele beijo acabou, Joana perguntou meu nome e se apresentou, cumprimentando-me com um aperto de mão firme, acredite. Com a mesma mão me arrastou até a mesa, onde estavam seus amigos e disse:

- Meus amores! Estou indo com este direitista discutir se a lua foi mordida por um rato ou por um militar, depois eu ligo para contar a conclusão.

Nem consigo imaginar a minha cara de insatisfação com tal comentário naquele momento. Mas confesso que me causou certa euforia ouvi-la falar de mordida na lua. Talvez querendo me vingar intimamente daquele comentário sórdido, comecei a pensar em um jeito de lançar algum trocadilho que comparasse a bundinha branca dela à lua. Mas eu não poderia, aquela mulher me tirava o prumo!

Saí do bar, em plena ditadura militar, arrastado como um preso político por uma esquerdista assumida. Aquela mulher era confusão certamente.

Atravessamos a rua de mãos dadas, seguimos por mais uns minutos em silêncio como se nos conhecêssemos de longa data. Então, segurei firme sua mão e a puxei para perto de mim. Olhei no fundo daqueles verdes olhos e perguntei:

- Menina, o que você quer comigo?

Ela, perspicaz, respondeu:

- O que você quer comigo?

Sorri:

- Você sempre responde com perguntas?

Ela, mais uma vez, me pegou:

- Seria mentira dizer que foi você quem puxou papo?

Ali percebi que aquele momento tinha que ser especial. Uma luz refletia no olho direito dela e fixei meu olhar naquele ponto para tentar um pouco de concentração. E um pouco de coragem também.

- Menina, vou fazer uma sugestão: o que você acha de sentarmos em um bar, só nós dois, para continuarmos essa conversa de maneira mais tranquila e equilibrada?

Joana respondeu que aceitaria, contanto que eu não exigisse tanto equilíbrio de sua parte. Esse jeito brincalhão e transparente me enchia de afeto por aquela pessoa que mal conhecia, mas de quem, sabia, não seria fácil me despedir. Fomos andando e, pelo caminho, fomos discutindo os porquês deste ou daquele bar não servir para nosso “momento íntimo”, como dizia Joana. A cada passo, me dava conta de que o tempo ia passando e que em breve eu teria sim que me despedir. Isso me inquietava.

- Ali! É para lá que vamos! – Disse Joana apontando para um bar no térreo de um hotel de quinta categoria.

- Mas ali? É meio sujo...

- Vamos “moço arrumado”, lá é perfeito! – Empolgou-se a ruiva, já me arrastando pela rua.

Eu não tenho ideia do que fazia aquele lugar ser algo “perfeito”, mas era o que ela queria, e fomos. Sentamos e, felizmente, nesse lugar, ela não chamava os garçons pelo nome. Perguntou se eles tinham café forte e pediu dois. Tomamos incontáveis xícaras de café, enquanto o tempo do lado de fora passava. Mas, do lado de dentro, nosso tempo passava ileso. No salão fechado, só havia uma grande janela, através da qual a claridade jamais penetraria, bloqueada por uma cortina de tecido grosso, esverdeado, velho e desbotado.

Conversamos muito e até tentamos falar sobre política, mas, após um trato muito bem elaborado pelo ruivo cérebro esquerdista de Joana, nos limitamos a contar alguns motivos de termos esta ou aquela ideologia. A explanação deveria durar, no máximo, cinco minutos e deveria ser livre de perguntas ou olhares questionadores. Demos risadas. Joana, durante sua emocionante explicação, segurou firme minha mão contra a mesa, ao me pegar estalando e apertando os dedos. Durante a minha, Joana levantava a sobrancelha e, algumas vezes, inclinava o corpo sobre as pernas cruzadas, abraçando-as, em uma demonstração de força para segurar as emoções. Rimos e, quando essa primeira parte da conversa se encerrou, falamos de tudo. Eu queria saber da sua faculdade de jornalismo e ela queria saber da minha profissão. Ela queria entender como um artista, supostamente “mente aberta” como eu, podia ser de direita. E eu, não querendo mais lembrar do que nos distanciava, respondi:

- Joana, sou um artesão, não exatamente um artista nos moldes do que chamam de artista hoje. Minha vida não é de fato tão envolvida com política. Gosto mesmo é de olhar para as coisas e para as pessoas belas e me inspirar. Sou capaz de passar horas apreciando uma linda vista, uma casa, um jardim, imaginando um móvel que combine com aquela sensação. Adoro me sentir inspirado e, sinceramente, para mim, política não tem esse poder.

- Me conta mais das suas paisagens, o que tem te inspirado? – perguntou Joana com uma feição suave.

Juro que naquele momento lembrei-me da história da lua. Que vontade de falar daquele bumbum...

CONTINUAR - Parte 3

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