terça-feira, 26 de outubro de 2010

O entardecer na praia

Por Mariana Juer Taragano

Um passo de cada vez
E, lentamente, sinto a areia quase quente
Abraçar-me os pés.

Cerro os olhos
E vou caminhando...

Sinto cada grão.
Delicadamente, abrem espaço,
Convidando-me para o espetáculo
Do dia a adormecer.

E, aos poucos, a areia vai se tornando mais fria e mais úmida.
Sento-me;
Sinto-me leve.

O sol, despedindo-se, dá uma trégua,
E a brisa fresca chega bailando.

Tão gentil é o mar
A presentear-me com pequenas ondas
Que balançam
E estouram próximo aos meus pés,
Como a barra de um vestido a rodar.

E cantam juntos
Brisa e mar:
Um pouco chiado,
Meio desafinado,
Em ritmo próprio,
Despretensioso
E harmonioso.
É ritmo de paz,
De tranquilidade,
Trazendo, embaladas entre as notas,
Gotículas a beijar minha pele,
A salgar meus lábios.

Sinto-me livre.

Minhas pálpebras cerradas sentem
O dia alaranjar,
Despedindo-se com esplendor.

Abro os olhos
E mais me encanto.
Vai-se, enfim, o sol,
Refugiar-se atrás da montanha.

Meu coração aplaude.











sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Pequena Nina - Parte 2 - FINAL

Por Mariana Juer Taragano

Imersa em tamanha euforia, Nina correu ao encontro do seu amigo, contaria tudo! Mas ele ainda não chegara. Sentou-se para esperá-lo e, de relance, notou sua mãe espiando pela janela. Pega em flagrante espiando a filha, rapidamente fechou a cortina. Nina sentiu um frio na barriga. Temeu que sua “pequena mentira” acabasse com toda aquela felicidade e tomou uma decisão.

Aníbal chegou também eufórico e surpreendeu Nina com uma caixa de bombons sortidos. Ele estava feliz porque havia colecionado ideias para ajudá-la a alcançar seu objetivo. Ela adorou a surpresa açucarada e, por alguns minutos, até se esqueceu do que havia decidido pouco antes. Começaram a desvendar os recheios e entretiveram-se entre embalagens e mãos meladas. Lavaram as mãos no chafariz e sentaram-se à sua borda.

Nina falou a Aníbal que tinha uma coisa séria para conversar e que não sabia como começar, mas ele deveria prestar muita atenção porque era importante. Contou sobre o dia anterior e Aníbal riu com a pequena mentira, recordando-se da época que tinha, realmente, dez anos. Eles, provavelmente, não seriam amigos, pois a vida, para ele, resumia-se a jogar botão e futebol com os outros meninos. “Como era bobinho” – pensou e suspirou ao se dar conta de como as crianças são mais espertas hoje em dia. Nina continuou falando como uma matraca. E concluiu afirmando que por essa mentira, não poderiam mais se ver, mas que poderiam ser amigos para sempre. Dessa vez, Nina fez-lhe recordar não da infância, mas de todos os foras que levara na vida. E riu. Lembrou-se que no mais recente sequer tivera chance de tentar mudar a situação, já que a moça não aparecera. Mas ele superara rapidamente, afinal conhecera aquela pequena grande menina. Aníbal tentou convencê-la a levá-lo até sua mãe para contar a verdade. Mas Nina estava decidida, pois sabia que ferira o “estatuto dos Carvalho”, agora “das Carvalho”, ao se aproximar de um estranho, o que seria imperdoável, ainda mais considerando-se a mentira. E Nina não queria “arriscar tudo que conquistara até aqui”. Aníbal entendeu, desejou-lhe sorte e felicidade e avisou que estaria por perto por mais uns dias, que poderia procurá-lo pela praça por volta do horário que sempre marcavam, caso mudasse de ideia.

Nina não apareceu mais na praça, nem para brincar, pois temia “iludi-lo”. A mãe, a princípio, estranhou Nina passar tanto tempo em casa, mas depois, ao ouvir a pequenina dizer que estavam em “lua de mel”, tranquilizou-se e entendeu a mudança repentina de perfil, agora mais caseiro.

Os dias passaram e Nina, embora feliz, começava a mostrar traços de apatia. Algumas vezes, espiava pela janela e voltava cabisbaixa para seus desenhos no chão da sala. A mãe começou a observá-la com mais cuidado. Certo dia, Nina desenhou a praça com duas pessoas sentadas em um banco. Outro dia, o chafariz chorava junto com uma menina e, noutro, passou horas colorindo a camisa de menino sentado na praça.

“Filha, por onde anda seu amigo novo?” perguntou a mãe, fingindo não ter notado nada. Nina, respondeu que não sabia, baixinho. A mãe insistiu em perguntar por que eles não haviam se encontrado mais e Nina olhou-a com uma lágrima escorrendo e, fazendo um pequeno bico, repetiu “não sei”. A mãe correu para abraçá-la. Consolou a filha com carinhos e colocou-a sentada no sofá. “Quer conversar, minha boneca?” perguntou carinhosamente. “Quero, mas não sei” respondeu. “Não sabe o quê, meu anjo?”. Nina abraçou fortemente a mãe, deitando sua cabecinha sobre aquele peito tão acalentador. A mãe respeitou a filha. Não quis pressioná-la e lembrou-lhe que as férias chegavam ao fim e em breve reencontraria muitos outros amigos. Após alguns instantes, convenceu Nina a acompanhá-la até a cozinha para preparar um brigadeiro especial.

Nina não estava bem. Tinha bons momentos, mas passava a maior parte do tempo mostrando sinais de que sentia um vazio. “Onde andaria aquele amigo?” pensava sua mãe, certa de que só poderia ser esse o motivo da tristeza na menina. Tentou puxar conversa incontáveis vezes, sempre com a tranquilidade suprema de quem só quer o bem, mas não conseguia fazer a filha falar mais. Logo a Nina, sempre tão “faladeirinha”! E que dor no coração aquela mãe sentia.

Acompanhada da mãe, Nina foi à escola. Estava ainda com aspecto desconsolado, mas parecia um pouco mais animada pelas expectativas do novo ano. Na volta, sua mãe sentou-se naquele mesmo banco que por vezes vira Nina sentar-se, exatamente em frente à sua casa. Olhou à volta, procurou pistas. Pensou que deveria ter feito isso antes da volta às aulas, poderia ter encontrado o amiguinho da filha. Pensava que talvez o menino tivesse buscado novos amigos, já que Nina sumira da praça por uns tempos para curtir a “lua de mel com a mamãe”. Quantas vezes retomava à memória a imagem daquela lágrima escorrendo enquanto Nina dizia não saber por onde andava seu amigo.

Os dias se passaram. A mãe de Nina voltava com frequência à praça em diferentes horários na esperança de salvar a filha da tristeza ainda muito presente na hora de dormir e nos desenhos da escola. Certo dia, sentou-se à beira do chafariz e respirou fundo ao olhar ao redor e se dar conta de que não adiantaria em nada aquela busca sem a presença de Nina. Por outro lado, tinha receio de retomar o assunto que já poderia estar adormecendo dentro da menina. Mas, como deixar passar algo assim? Algo que feria tanto o coraçãozinho de sua boneca e que, ao mesmo tempo, não conseguia entender plenamente já que Nina recusava-se a falar no assunto? Pensava, pensava e resolveu voltar para casa sem qualquer solução em mente. Foi quando alguém a chamou pelo nome “Branca!”. Ao olhar para trás, reconheceu um velho amigo de infância, cujo primeiro reencontro, meses antes, no jantar de confraternização da turma de escola, deixara a promessa de um novo encontro que nunca acontecera. Haviam marcado para poucos dias depois do tal jantar naquela mesma praça, onde agora se viam, mas Branca não apareceu, ainda tomada pela insegurança após o abandono.

Aníbal parecia não dar a menor importância à sua falta e sorriu com os braços abertos, tão receptivo quanto da primeira vez. Branca, com sorriso amarelo, enrubesceu imediatamente, mas ficou feliz. Pediu desculpas pelo ocorrido, explicou que ainda não se sentia preparada e que não poderia “iludi-lo”, mas não sabia como dizer isso pessoalmente e, então, aconselhada por uma amiga, simplesmente, resolveu não aparecer. Assim, ele entenderia que não valia a pena perder tempo com ela.

Conversaram bastante, caminhando pelo parque, e Aníbal deixou claro que não se sentia perdendo tempo em companhia daquela que fora a menina mais bonita da escola. Relembraram os bons e velhos tempos, as cartas de amor que ele mandara tantas vezes e que jamais foram respondidas. Mas foi com ele que ela dançou em seu baile de debutante e isso vingara todas as dores do passado, matando os outros rapazes de inveja. Afinal, valeu a pena praticar todos aqueles esportes como o pai exigia, só para ficar com “mais pinta de príncipe e ganhar a primeira valsa da princesa”. E riram.

Aníbal resolveu então contar o que acontecera naquele fatídico dia em que a princesa decidira deixar o príncipe a ver navios, ou melhor, “gangorras” no ponto de encontro. “Branca, se você acha que me dei mal, me dei foi bem! Conheci uma mocinha...” – e Branca interrompeu - “é mesmo? Não me diga” – sentindo um aperto no coração e um frio na barriga. Aníbal continuou “uma mocinha linda! Um broto! Literalmente um brotinho da flor mais bela já vista”-. Foi quando Branca começou a entender o tom irônico. “Explica logo, Aníbal!”. Aníbal riu e perguntou se Branca estava com pressa. E, inesperadamente, ela disse que sim, acelerando as passadas e cruzando a praça apontando para o ônibus escolar que se aproximava. Os dois apressaram-se em direção ao ônibus prestes a parar e o assunto se perdeu. Nem precisaria continuar, tamanha a surpresa que aguardava por todos.

Atravessaram a rua para receber “a filha da Branca”. Nina desceu o primeiro degrau e, ao ver seu amigo junto a sua mãe, esperando-a com um enorme sorriso, abriu a boquinha e, como num espelho, Aníbal teve a mesma reação, já se aproximando mais da porta do veículo, como se quisesse enxergar melhor. Nina saltou dali mesmo em seus braços e abraçaram-se enormemente.

Aníbal, olhando para Branca por sobre o ombro de Nina, e entre todos aqueles fios de cabelo sobre seu rosto, perguntou “preciso contar o resto da história?”. Em um leve sorriso, Branca fez um sinal carinhoso com a cabeça e abraçou os dois.

Entraram em casa e Nina matraqueou como já não fazia há “dias e dias e muito mais dias”, riram, divertiram-se, brincaram e conversaram sobre as penalidades de quem fere o “estatuto dos Carvalho”, mas como até o nome estava desatualizado, resolveram anistiar os criminosos e reescrever o estatuto. Aliás, nem seria mais categorizado assim, agora se tratava de um “código de honra”, como sugerira Nina, cujos olhos voltaram a brilhar e a refletir uma mãe sorridente, corada. E deu-se conta de que algo especial ocorria ali, ao ouvir da cozinha, enquanto buscava um desenho na sala, “Olha a Nina!”. E riu.

O tempo passou, eles escolheram um lar, juntos, os três, para viver uma nova história cheia de cores, sem lágrimas. Mas, mesmo com o passar dos anos, insistiam em passear por aquela velha praça, onde se sentavam naquele mesmo banco ou à beira do chafariz para não permitir que se apagassem tão belas memórias de um novo início. Início este que se dera “há anos e anos e muito mais anos”.



quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Pequena Nina - Parte 1 de 2

Por Mariana Juer Taragano



No reflexo do olhar, havia a casa com suas cortinas descoradas a balançar para fora da janela, como quisessem fugir. A grama, já não tão bem cuidada quanto noutros tempos, estendia-se sem brilho, sem cor, sem volume, até a pracinha de onde observava o cenário. Entre a casa e o banco, do qual pendiam suas curtas perninhas, além da enorme extensão de grama, para suas dimensões ainda infantis, havia a mureta que também já não era a mesma; não tinha mais cor e sua tinta, há muito, já descascara deixando lascas, ou lágrimas, de despedida de um tempo que não voltaria. Por trás da mureta, via-se parte das plantas e flores ressecadas que escondiam a humilde casa, onde vivia com sua mãe.

Ao sentir no ar um cheiro familiar, pensava como a comida havia melhorado com o passar dos anos ou, talvez, seu paladar ficara mais solidário com o sofrimento materno. Do alto dos seus sete anos, sentia que tinha uma missão a cumprir, só que esta ainda não era tão clara em sua mente e, tampouco, saberia como chegar aos objetivos finais.

Observando suas próprias palmas, lembrava-se de tempos antigos. Suas mãos cresceram até os quatro anos sob os afagos de pais carinhosos, mas certo dia, sem mais nem por que, seu pai fora arrancado de sua família, como sua mãe falava, por um anjo mau. Nina sabia, no entanto, embora não dissesse, em sua cumplicidade com as justificativas e sentimentos da mãe, que seu pai, um dia, saíra por livre e espontânea vontade por aquela porta. Porta que agora mirava semicerrada, enquanto ouvia, entre os poucos sons de pássaros a seu redor e ecos de crianças ao longe, o raspar da vassoura que lhe era tão familiar nas manhãs de sábado.

Aquele som fazia-lhe lembrar dos tempos em que seu pai, carinhosamente, surpreendia com um abraço quente sua mãe distraída enquanto cuidava do assoalho. Ela sempre reclamava – “meu bem, olha a Nina!”. E Nina não entendia o que havia para olhar nela. Era a felicidade de seus pais que dava prazer de ver. Não sabia exatamente por que, mas lhe enchia de gozo ver sua mãe corar com um brilho diferente no olhar. E divertia-se, pois sempre, sempre, ao espantar o marido, dava uma última olhada sobre os ombros, enquanto ele se afastava com um andar charmoso que era motivo de brincadeiras entre as moças da casa. Nina adorava ter esse pequeno segredo com sua mãe e pensava “um dia, quando crescer, quero ser feliz assim”.

Nina tentava encontrar um caminho para soltar sua mãe da corrente que já não lhe permitia mais aquele olhar, aquele brilho, aquele corar. “Será que tenho culpa?”pensara por vezes, até sua mãe convencê-la de que acreditava piamente na culpa do tal anjo mau.

E, influenciada pelo esmaecimento das lembranças do pai, convencera-se a parar de tentar entender sua partida. Mas, vendo a mãe aos trapos, varrendo agora a frente da casa, não tirava de sua pequena cabecinha sua responsabilidade pelos cuidados da mãe, que tantas vezes falara que, naquela casa, as “moças” sempre deveriam sorrir e estar bonitas.

Um som repentino quebrou a concentração de Nina. Um homem, a passos acelerados, aproximava-se. Pediu licença para sentar-se ao seu lado. E começaram a conversar. Conversaram sobre o tempo, o céu e o vento. Ele esperava por alguém e receava ter-se atrasado. Nina garantiu-lhe que, por ali, há muito tempo, não passava ninguém, pois estava de vigília há “horas e horas e muito mais horas”, devido aos exageros das mentes infantis. O homem sorriu e perguntou o que Nina tanto vigiava. Nina explicou que, certa vez, ouvira sua avó dizer que, para compreender melhor uma situação, era preciso olhá-la de fora e era isso que tentava fazer. Com indiscrição meninil, começou a relatar em detalhes cada pedacinho na história de sua vida. História vivida e imaginada, mas que, por certo, emocionava o desconhecido. Este se encantava com as preocupações de Nina e admirava-se com sua sensibilidade.

Em certo momento, Nina deu-se conta de que conversava com um estranho, o que era proibido no “estatuto residencial dos Carvalho”. Mas decidiu ignorar a regra, já que se sentia tão bem naquele momento. Parecendo ler sua mente, o homem, interrompendo a história de Nina, resolveu apresentar-se. Apertou sua delicada mãozinha e afirmou-lhe que aquela amizade ali iniciada jamais seria abandonada. Nina, então, questionou “nem que o anjo mau venha?”. Aníbal, com um doce olhar, afirmou que acreditava mais em fortes amizades que em anjos maus, não querendo desmerecer as justificativas da mãe daquele pequeno anjinho que o emocionava.

A hora do almoço estava próxima, o que sabia Nina somente pelo cheiro da comida que sentia na praça. Sabia que teria que deixar o final da conversa para outro dia, mas temia não haver um novo encontro para que seu amigo a ajudasse a encontrar uma solução para sua questão. Também não poderia demorar a tomar uma decisão, pois sua mãe iria procurá-la e, certamente, não gostaria nada de vê-la conversando com o estranho. Nina despediu-se de Aníbal pedindo que voltasse a visitá-la naquele mesmo local. Ele prometeu que estaria lá no dia seguinte pela manhã. Assim o fez.

Quando Aníbal chegou, Nina já o esperava, desta vez não tão concentrada, mas ansiosa pela expectativa do reencontro. Aníbal, ao cruzar a praça do ponto de ônibus até o banco onde se encontrava Nina, acelerou os passos. Também estava ansioso. Quando Nina o viu, rapidamente abriu um sorriso e seus olhos brilharam como se o esperasse há “horas e horas e muito mais horas”.

Sentaram-se como no dia anterior, lado a lado, olhando para frente, onde estava o cenário da pequena Nina. E puseram-se a falar. Aníbal mostrava-se curioso, interessado tanto quanto fosse possível e seu interesse agradava a menina que, claramente, não conversava com ninguém havia tempos. Em certos momentos, parecia não suportar a própria respiração.

Aníbal perguntou por que ela não brincava com outras crianças em tão ensolarado dia de verão, quando as crianças, de férias, têm como únicas preocupações, as brincadeiras. Nina olhou em seus olhos, deu um sorriso amarelo, olhou para a casa e respondeu que ela tinha uma “missão maior”, e que essa era sua única preocupação. Contou-lhe que durante o período de aulas, já brincava bastante, e as férias deveriam ser dedicadas a “tudo aquilo que há de importante na vida, mas que não dá para resolver enquanto trabalhamos, ou, no meu caso, estudamos”. Aníbal se impressionava com as frases sabidas de Nina e, a menos que receasse interromper alguma fala importante, sempre questionava onde ela havia aprendido aquilo. Mas havia naquele pequeno corpo, algo maior que frases de efeito e historinhas infantis. Havia uma alma enorme, amadurecida a duras penas pelo sofrimento que a vida já lhe causara, tão cedo. E indignava-se com as preocupações da menina. Tentava, o quanto fosse possível, eximi-la de qualquer vestígio de culpa.

Nina causava em Aníbal um sentimento paternal que o encantava. Embora tivesse curiosidade em conhecer as demais personagens de sua história, e por que não sua mãe, já que ambos estavam livres e desimpedidos, o carinho que já sentia por aquela pequena garotinha era suficiente para aquecer seu peito naqueles dias sem grandes emoções.

Nina calou-se por algum tempo e Aníbal respeitou sua decisão pelo silêncio. Ela franziu a sobrancelha e fitou a casa. Alguns longos segundos depois, não resistindo, Aníbal perguntou se estava tudo bem. Nina respondeu que precisava entrar, mas que gostaria de vê-lo novamente no dia seguinte.

Aníbal, brincando, respondeu: “Nina, você é uma menina de sorte, sabe por quê? Aliás, eu também sou um rapaz de sorte” - e Nina sorriu com um olhar de curiosidade. Aníbal continuou - “porque eu sou professor e, por isso, também estou de férias!”. Apertaram-se as mãos e Nina correu para casa.

Apressada, já gritando pela rua “mãe, mãe!”, praticamente invadiu a própria casa. Queria saber por que, naquela manhã, sua mãe não saíra para molhar as plantas ou varrer o quintal. Abraçando Nina e puxando-a para seu colo, explicou que estava bem e que mudara a ordem dos afazeres. “Minha bonequinha, às vezes, grandes mudanças começam pelas pequenas coisas”, falou sua mãe adicionando mais uma frase de efeito a seu repertório.

Nina resolveu contar à mãe que fizera uma nova amizade. E, ao ver a curiosidade da mãe no sorriso acompanhado de um levantar de sobrancelha, ficou feliz. Contou que seu amigo era mais velho, que tinha dez anos e que sempre conversavam na praça na frente de casa. Disse que era alto e que não falava muito, mas que dava risadas das suas piadas. Contou que inventaram uma brincadeira de contar histórias com enigmas para serem desvendados em conjunto. Havia ainda a brincadeira dos polegares. Sua mãe perguntou se não corriam pela praça e, um pouco sem graça, Nina disse que sim, pois aprendera que “uma pequena mentira para o bem pode ser válida, mas só de vez em quando”. Nina, há muito, sentia falta desse colo da mãe, recheado de brincadeiras, beijinhos, cheirinhos e conversinhas gostosas de quem é cúmplice. E lembrou à mãe que elas não tinham mais um segredo em comum, precisava de um segredo com urgência! Mas qual seria? Já estava próximo do horário do almoço e as duas foram para a cozinha juntas e sorrindo, envolvidas pelo papo nostálgico. Nina recordou do dia em que sua professora mais querida afirmou-lhe que logo, logo sua mãe voltaria a sorrir. “Dito e feito”, pensou.

No dia seguinte, antes de ir ao encontro com o novo amigo, Nina reparou que sua mãe estava diferente, perfumada, mais arrumada e alinhada. Arrumava a casa cantarolando alguma coisa. Quando Nina foi ao quintal, percebeu que já estava arrumado e “reflorestado”. Nina ficou orgulhosa da atitude ambiental da mãe e saiu correndo para abraçá-la e parabenizá-la, mas lamentou não ter participado do feito. Sua mãe tranquilizou-a, afirmando que de agora em diante a responsabilidade sobre a “floresta” seria exclusivamente de Nina. E ela ficou feliz. Sabia que tudo aquilo significava algo além.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

E Deus criou as Gorduras Saturadas

Por Mariana Juer Taragano


Alguém me explica por que Deus inventou as gorduras saturadas?

Numa boa, não foi naquela primeira semana. Certo que não. Naquela semana, ele inventou coisas lindas como, por exemplo, as aves, os peixes e a mulher.

Aí, passou um tempinho e a mulher foi cair na asneira de provar da maçã! Ele falou para não fazer e ela fez. Poxa, se ainda fosse uma batata frita... Eis que Deus resolveu castigar e criou o pudor. Mas não satisfeito, junto com o pudor, aos poucos, ele foi inventando a pancinha, os culotes... E, para piorar tudo, ele inventou o biquíni!

Um dia, uma infeliz qualquer ligou para o disque reclamações e caiu na secretária eletrônica de Deus. A menina, enfurecida, mandou ver e esbravejou cobras e lagartos.

Deus, já de saco cheio, disse: Eis que vos tenho dado toda a beleza possível, mas não a tem reconhecido.

E criou Deus as celulites à imagem e semelhança de uma laranja. E Deus as abençoou e disse: Frutificai e multiplicai-vos!

E como toda peste precisa de alimento para proliferar-se, Deus disse: Que se façam alimentos tão tentadores quanto as maçãs do paraíso para tornar as mulheres escravas eternas da tentação. E surgiram as gorduras saturadas!

E as maçãs? Bem, as maçãs, Deus deixou de lembrança de tempos que não voltam... Sirva-se à vontade!

Visões x Inspirações de Manoel de Barros


Manoel de Barros em entrevista (2007)
Fonte: Canal Futura


“Eu conheço inspiração só de nome. Eu nunca tive inspiração. O que eu tenho é visão. O que o poeta tem, o que o escritor tem, são visões. A visão vem sempre acompanhada de loucuras do poeta, de sonhos, de fantasias, de coisinhas à toa, sabe? De bobagens profundas.”

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A bula do meu antialérgico

Devido à presença de sulfato de pseudoefedrina na formulação ("pseudoefedrina" - penso logo naquelas figuras saltitantes emblemáticas das festas rave), o uso (...) pode causar diminuição do apetite (não contem isso para as mulheres às vésperas do verão!), sensação de maior energia física (uhuuu e quem não precisa nesta época do ano?) (...) e tagarelice! (...) a suspensão súbita pode causar depressão".

Esqueceram de colocar: proibida a utilização por mulheres à beira de um ataque de nervos!