sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ferida

Por Mariana Juer Taragano


Escorre a lágrima,
Escoa o sal.

O sal que seca
E que, de tanto secar,
Fere.

Ferindo, faz chorar
E, chorando, faz curar.
Curar a ferida que maltrata.

Cicatrizando a ferida,
Cessa o choro.

Mas e se o choro não cessar?
E se a ferida não fechar?
E se o sal ficar?

Então, como um rio,
O tempo há de passar
Para a ferida, limpar
E a lágrima, arrastar.

Com ele, o sal, vai levar
Para no mar desembocar.
A dor há de cessar.


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Aos fofoqueiros de plantão!


Se a sua vida é interessante, por que gastar tanto tempo se metendo na dos outros? Ah, não é? Coitado(a), então use seu tempo para torná-la! Ou, compre uma revista especializada e deixe os outros em paz! ;)


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Joana - PARTE 4 (FINAL)

Por Mariana Juer Taragano

Envolvi a cintura de Joana arrastando-a para dentro. Encostei-a contra a parede logo ao atravessar a porta e a beijei, acariciando veementemente seus seios. Joana passou uma mão ao redor de minha nuca e a outra entre as minhas pernas. Nos beijamos, nos acariciamos alguns minutos ali, atrás da porta, como dois alucinados.

Levantei Joana, passando suas pernas em volta da minha cintura e ela me agarrou ainda mais forte enquanto a levava para a cama. Deitei-a sobre a cama lentamente, quebrando aquele ritmo frenético com que nos devorávamos, deitei-me sobre seu corpo e segurei seu rosto com as duas mãos olhando em seus olhos. Joana me olhou também e me perguntou:

- Está tudo bem?

E respondi:

- Não poderia estar melhor, mas quero ir um pouco mais devagar. Tudo bem?

Joana deu um sorriso meigo e disse:

- Com carinho, não é?

Beijei seu rosto, sua boca, curtindo cada pedacinho daquela menina. Tirei sua blusa, subindo desde a barriga com beijos, língua e leves mordidas. Aqueles pelos claros se arrepiavam, o que me excitava ainda mais.

Virei Joana de costas e descobri belas costas. Passei as mãos por elas, sentindo aquela pele macia. E recomecei os beijos, da base de suas costas, segurando o elástico de sua calça, que eu ameaçava tirar, mas ainda não iria fazê-lo. Passei os lábios no início de seu bumbum, e fui subindo. Segurei sua cintura, passei a língua na sua espinha, dei pequenas mordidas e, no meio do caminho, tirei minha camisa. Quando cheguei à sua nuca, meu peito encontrava sua pele e a abracei, sentindo seus seios em minhas mãos, contra a cama.

Eu me roçava em seu bumbum, instigando ainda mais suas fantasias. E ela se empinava para mim, parecia querer vencer as barreiras criadas pelo que ainda tínhamos de roupas. Joana passou uma mão para trás, tentando enfiá-la em minha calça. Lentamente, virei Joana de frente, beijando seus ombros, seu colo, seus seios.

Me ergui, abri meu zíper, peguei sua mão e coloquei dentro da minha calça. Ela me segurou firme e perguntou:

- Por que você ainda não tirou a minha roupa?

E respondi:

- Por que, Joana, eu quero curtir cada pedacinho seu, quero saboreá-la.

Ela me puxou contra seu corpo e me beijou, enquanto empurrava com as mãos, e depois os pés, a minha calça. Puxei sua calça. Ver aqueles quadris, aquela barriquinha e aquela aquele púbis desenhados perfeitamente sob aquela calcinha lilás me surpreendeu ainda mais. Meu coração deu outro salto, me senti mais excitado. Passei as mãos sobre suas coxas, seu quadril, beijei sua barriga e fui descendo, sem tirar a calcinha do lugar. Joana gemia, e sussurrava:

- Eu quero você.

Ela suspirava baixinho, se contorcia. Passei a língua na sua virilha. Ela estava quente, úmida e suada. Eu estava cada vez mais enlouquecido com seu cheiro, seus sussurros, seu gosto. Joana, parecendo não aguentar mais a minha lenta degustação, me puxou pelos cabelos e, me olhando, puxou a alça da calcinha com a outra mão, soltando-a em seguida, num estalar que tinha um significado muito claro. Arranquei sua calcinha, envolvi-a pela cintura e, em um impulso, coloquei-a sentada sobre mim. Nos encaixamos como se fôssemos desenhados para isso. E ela gemeu baixinho em meu ouvido. Passamos horas ali, suando, falando besteiras ao pé do ouvido do outro, curtindo.

Quando tudo parecia estar se acalmando, uma nova onda nos devorava. Essa mulher me beijou e me acariciou com tamanha precisão que acreditei que nunca mais seria capaz de sair daquele quarto. “Nunca mais” já faz uma semana. O que eu faço com essa mulher?

- Sinval, o que você está fazendo? – Pergunta Joana vindo do banheiro, nua, deixando pingos d´água pelo quarto.

- Estou pensando, Joana, sobre uma carta que preciso escrever a um amigo.

- Saudades do amigo?

- Sim.

- Vai me deixar?

- Te deixar, ruivona? Nem pensar. Estou apenas precisando desabafar, pedir conselhos a um velho amigo sobre uma ruiva que acabou de entrar na minha vida, me roubando de todo o resto.

- “Roubando”? Está reclamando?

- Não. – Respondo divertindo-me.

- Esqueça os conselhos, por favor!

- Joana, você me diverte sabia? Do que você tem medo, menina?

- Não quero que isso acabe.

- “Isso” não precisa acabar. Mas eu preciso voltar ao trabalho, e você está perdendo aulas, moça.

- Está reclamando? – pergunta Joana novamente com ares de deboche.

- Joana, sabe o que eu mais gosto em você? Essa sua segurança misturada com seu jeito de menina nessa sobrancelha levantada e nesse sorriso sagaz. Precisamos ir embora.

- Para onde você vai?

- Para minha casa, e você vem junto.

- Como?

- Você vem comigo, está decidido. Não disse que não queria que isso acabasse?

- Disse... Eu vou?

- Pra nunca mais me largar. Mas tem uma condição...

- Qual?

- O lado direito da cama é meu. Topas?

- Mas eu prefiro o direito!

- Joana!?

- Fechado!

 



sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Joana - PARTE 3

Por Mariana Juer Taragano

Juro que naquele momento lembrei-me da história da lua. Que vontade de falar daquele bumbum. Eu já havia reparado um pouco quando ela se levantara para ir ao banheiro mais uma vez. Sob a calça de tecido suave eu via leves curvas movimentando o pano. Pensei em falar algo bem safado para ela, mas eu estragaria tudo. Não combinaria com o momento. E respondi:

- Joana, eu preciso te confessar que hoje o teu cabelo me inspirou, amanhã vou escolher alguma madeira bem avermelhada para começar algo novo.

Joana se esbaldou em uma risada que me instigou ainda mais.

- É mesmo? E que tipo de móvel seria? Uma mesa? Uma cadeira cheia de argolas?

- Talvez. Mas uma coisa é certa. Usaria canjerana! Uma madeira muito especial. É forte como você, tem frutos belíssimos... – parei por um momento ao notar que, pela primeira vez, aquela inquietude em pessoa me olhava com tranqüilidade, profundamente.

- Por que você parou?

- Parei, Joana, porque acabei de me dar conta do quanto você ilumina o ambiente onde está.

- Então eu serei uma luminária? – perguntou rindo, meio irônica, mas no fundo, aquilo era o jeito de demonstrar que ficara constrangida com o elogio. Ou, talvez, fosse só seu jeitinho alegre mesmo.

- Joana, você “pode ser” uma luminária sim. Mas, mais que isso, você alegra o ambiente também, então teria que ser algo com um desenho moderno, divertido.

E falamos de arte, de cinema, de música, de esportes, da infância, da praia, das sardas de Joana. Tive desejo de saber até onde iam aqueles pontinhos charmosos. Eu queria contar quantos havia espalhados pelo seu corpo e quantos anéis havia em seus cabelos.

Toda vez que a manga da bata hippie que Joana usava deslizava sobre seu ombro, ela rapidamente a colocava no lugar. Eu ficava imaginando como seria se ela não a levantasse mais. E pedi:

- Para.

- Para o quê?

- Para de colocar no lugar. Deixa a manga assim.

- Assim, caída? – perguntou passando a mão sobre o ombro, descendo a manga lentamente para o lugar de onde a tirara. Eu me lembro dessa cena claramente, mas não tenho em minha mente seu esmalte descascado, e sim a imagem de dedos delicados obedecendo a meu pedido com suavidade. E Joana completou, me provocando:

– Mas se ela descer mais, corro o risco de ficar nua aqui.

Nada respondi, fitei aquele ombro, sua “saboneteira”, seu colo. Uma suave marca de biquíni mostrando algo além daquela brancura salpicada de sardas. Joana respeitou meu momento e ficou me olhando de volta. Minha mão direita estava sobre a mesa. Ela, lentamente, aproximou sua mão da minha. Encostou seu mindinho em meu indicador. Fez um leve carinho que eu correspondi, sem tirar os olhos do seu rosto. Olhei sua boca e ela escorregou dois dedos sobre minha mão. Fitei seu colo e sua mão inteira deslizava sobre a minha. Olhei para os seios levemente marcados sob a bata escura e foi quando percebi que se excitavam junto comigo, me peguei boquiaberto. Respirei fundo. Ela apertou minha mão. Ela me correspondia. Já estava completamente excitado e com a mão que eu largara sobre o meu colo minuto antes, não resisti em me tocar.

Olhei então nos olhos dela para saber se havia notado, se havia se incomodado. Então, ela mordeu os lábios, passou a mão direita na nuca, enquanto a esquerda roçava eroticamente a minha. Estávamos sentados frente a frente e, ela, com semblante sério, mas totalmente tomado de desejo, subia e descia o olhar entre meus olhos e aquilo que ela não podia ver, escondido sob a mesa, mas que, certamente, conseguia imaginar e queria que eu soubesse disso.

Ela demonstrava nitidamente que se deliciava com aquela situação. Nós estávamos em um hotel e sabíamos que poderíamos pedir um quarto a qualquer momento. Mas havia naquela cena um erotismo, um suspense que intrigava direita e esquerda. Começamos a roçar nossos pés sob a mesa, mas muito sutilmente. Trocamos olhares muitas vezes. Eu reparava como o peito dela se enchia de ar, o que parecia estar roubando todo o ar da sala, roubando todo o meu oxigênio. Eu respirava fundo cada vez que observava um movimento de excitação dela ou uma tentativa qualquer de autocontrole para não dar bandeira. E me dei conta de que estávamos completamente entregues a um desejo que poderia nos expor a qualquer momento a uma situação que poria fim àquela noite mágica.

Respirei fundo, levantei a mão que antes estava sob a mesa e acenei para o garçom, pedindo a conta. Joana puxou o meu braço para baixo, colocou minhas mãos em seu rosto e disse:

- Você não vai embora, não é?

Eu sorri e disse:

- Que homem no mundo seria capaz, ruiva?

Ela sorriu aliviada, soltou minhas mãos levemente para que eu continuasse fechando a conta e me olhou, levantando a sobrancelha esquerda, enquanto apoiava o rosto sobre a mão direita. Foi a primeira vez que vi Joana sem graça, de verdade. Suas maçãs do rosto ficaram levemente rosadas. Parecia acordar de um sonho e se dar conta de que dormira em algum lugar completamente inusitado.

Ao entregar a conta, o garçom me trouxe também a chave de um quarto. Paguei e me levantei, estendendo a mão para ela. Entramos no elevador. Paramos de frente para a porta, de mãos dadas. Joana me olhava. Chegamos ao quarto andar quando retribui o olhar, abrindo a porta. Meu coração nunca batera tão rapidamente por uma mulher. Joana parecia saber disso ao me fitar os olhos mais uma vez enquanto eu tentava abrir a porta do quarto. E me perguntou:

- Você está tenso, não está?

- Estou Joana, não vou mentir para você.

- Eu fico lisonjeada em saber que te deixo nervoso. Também estou nervosa, coloca a mão aqui – puxou minha mão da maçaneta, colocando sobre seu peito. A batida era forte, seu corpo estava quente, e a porta se abriu.

Envolvi a cintura de Joana arrastando-a para dentro.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Joana - PARTE 2

Por Mariana Juer Taragano



Aquela moça me provocou arrepios no momento em que a vi e me beijou após calar minha boca em um ato intenso, marcante. E o cheiro daquela mulher ficou impregnado no ar que eu respirava por muito tempo.

Quando aquele beijo acabou, Joana perguntou meu nome e se apresentou, cumprimentando-me com um aperto de mão firme, acredite. Com a mesma mão me arrastou até a mesa, onde estavam seus amigos e disse:

- Meus amores! Estou indo com este direitista discutir se a lua foi mordida por um rato ou por um militar, depois eu ligo para contar a conclusão.

Nem consigo imaginar a minha cara de insatisfação com tal comentário naquele momento. Mas confesso que me causou certa euforia ouvi-la falar de mordida na lua. Talvez querendo me vingar intimamente daquele comentário sórdido, comecei a pensar em um jeito de lançar algum trocadilho que comparasse a bundinha branca dela à lua. Mas eu não poderia, aquela mulher me tirava o prumo!

Saí do bar, em plena ditadura militar, arrastado como um preso político por uma esquerdista assumida. Aquela mulher era confusão certamente.

Atravessamos a rua de mãos dadas, seguimos por mais uns minutos em silêncio como se nos conhecêssemos de longa data. Então, segurei firme sua mão e a puxei para perto de mim. Olhei no fundo daqueles verdes olhos e perguntei:

- Menina, o que você quer comigo?

Ela, perspicaz, respondeu:

- O que você quer comigo?

Sorri:

- Você sempre responde com perguntas?

Ela, mais uma vez, me pegou:

- Seria mentira dizer que foi você quem puxou papo?

Ali percebi que aquele momento tinha que ser especial. Uma luz refletia no olho direito dela e fixei meu olhar naquele ponto para tentar um pouco de concentração. E um pouco de coragem também.

- Menina, vou fazer uma sugestão: o que você acha de sentarmos em um bar, só nós dois, para continuarmos essa conversa de maneira mais tranquila e equilibrada?

Joana respondeu que aceitaria, contanto que eu não exigisse tanto equilíbrio de sua parte. Esse jeito brincalhão e transparente me enchia de afeto por aquela pessoa que mal conhecia, mas de quem, sabia, não seria fácil me despedir. Fomos andando e, pelo caminho, fomos discutindo os porquês deste ou daquele bar não servir para nosso “momento íntimo”, como dizia Joana. A cada passo, me dava conta de que o tempo ia passando e que em breve eu teria sim que me despedir. Isso me inquietava.

- Ali! É para lá que vamos! – Disse Joana apontando para um bar no térreo de um hotel de quinta categoria.

- Mas ali? É meio sujo...

- Vamos “moço arrumado”, lá é perfeito! – Empolgou-se a ruiva, já me arrastando pela rua.

Eu não tenho ideia do que fazia aquele lugar ser algo “perfeito”, mas era o que ela queria, e fomos. Sentamos e, felizmente, nesse lugar, ela não chamava os garçons pelo nome. Perguntou se eles tinham café forte e pediu dois. Tomamos incontáveis xícaras de café, enquanto o tempo do lado de fora passava. Mas, do lado de dentro, nosso tempo passava ileso. No salão fechado, só havia uma grande janela, através da qual a claridade jamais penetraria, bloqueada por uma cortina de tecido grosso, esverdeado, velho e desbotado.

Conversamos muito e até tentamos falar sobre política, mas, após um trato muito bem elaborado pelo ruivo cérebro esquerdista de Joana, nos limitamos a contar alguns motivos de termos esta ou aquela ideologia. A explanação deveria durar, no máximo, cinco minutos e deveria ser livre de perguntas ou olhares questionadores. Demos risadas. Joana, durante sua emocionante explicação, segurou firme minha mão contra a mesa, ao me pegar estalando e apertando os dedos. Durante a minha, Joana levantava a sobrancelha e, algumas vezes, inclinava o corpo sobre as pernas cruzadas, abraçando-as, em uma demonstração de força para segurar as emoções. Rimos e, quando essa primeira parte da conversa se encerrou, falamos de tudo. Eu queria saber da sua faculdade de jornalismo e ela queria saber da minha profissão. Ela queria entender como um artista, supostamente “mente aberta” como eu, podia ser de direita. E eu, não querendo mais lembrar do que nos distanciava, respondi:

- Joana, sou um artesão, não exatamente um artista nos moldes do que chamam de artista hoje. Minha vida não é de fato tão envolvida com política. Gosto mesmo é de olhar para as coisas e para as pessoas belas e me inspirar. Sou capaz de passar horas apreciando uma linda vista, uma casa, um jardim, imaginando um móvel que combine com aquela sensação. Adoro me sentir inspirado e, sinceramente, para mim, política não tem esse poder.

- Me conta mais das suas paisagens, o que tem te inspirado? – perguntou Joana com uma feição suave.

Juro que naquele momento lembrei-me da história da lua. Que vontade de falar daquele bumbum...

CONTINUAR - Parte 3

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Joana - PARTE 1


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Por Mariana Juer Taragano

Conheci a Joana em um bar na Cinelândia. Um final de semana de verão, inúmeras possibilidades e fui parar no bar onde aquela ruiva meio pirada estava. Mas quem pirou fui eu.

Joana estava sentada junto a outros amigos bichos-grilos em uma mesa de canto. Eu entrei no bar e a primeira coisa que avistei foi aquela cabeleira incandescente muito cacheada envolvida por um lenço roxo. Joaninha nem me viu. Envolvida em uma discussão acalorada regada a muitos chopes, nem olhava à volta. Mas com tanto líquido ingerido, uma hora ela teria que ir ao banheiro. Arrumei um lugarzinho próximo ao balcão do bar, em um estreito corredor, por onde aquela figura intrigante teria que passar em algum momento.

E foi assim que nos conhecemos. Quando ela passou por mim e tentei puxar um papo, ela deu uma piscada suave, talvez pelo charme próprio da beldade, talvez pelo charme do álcool contido na tulipa que a ruiva não permitia esvaziar, e acenou com o indicador, pedindo um minuto. Sua unha, pintada de vermelho, estava descascada na ponta. Eu sempre disse, em meus discursos de playboy da zona sul do Rio, ou de machista de meia tigela, que mulher, para ter chance comigo, precisava ter mãos impecáveis. Quando vi aquela unha, o único sentimento que tive, ao contrário do que imaginaria em outros tempos, foi de emoção, de graça. Meu peito se encheu de adrenalina de tal forma, que me peguei rindo de mim mesmo, ao perceber que aquela mãozinha, com ou sem unha vermelha, com ou sem impecabilidades, me fazia pensar em cometer pecados. Aquelas mãos sardentas e aquele sorriso sapeca me deixaram louco, tomado por um sentimento, que naquele momento acreditei ser tesão, mas era mais que isso, era paixão mesmo.

Joana saiu do banheiro ainda esfregando as mãos úmidas na calça e quando se viu pega no flagra, sorriu, deitando o rostinho sobre o ombro direito levemente levantado. Virou-se então para o balcão e pediu com toda a pompa de quem manda no local:

- Seu Nivaldo, não tem mais papel toalha no banheiro!

Aí eu pensei: “Agora já era, a menina é bebum, vive na boemia e, pra piorar, é da esquerda ferrenha! Só pode ser, pelos tipos com quem está!”

Então, a ruiva me olhou como quem esperava uma frase qualquer durante aqueles dois passos que daria para passar por mim e seguir para sua mesa. Fiquei meio sem jeito, talvez até enrubescido, o que faria todo o sentido dada a tamanha empolgação que me invadira, mesmo com aqueles vieses percebidos. No fundo, nada daquilo me faria mudar de ideia. Então, brinquei com ela:

- Bem, você bebe um chopinho, curte uma boemia, tem um estilo despojado... só falta dizer que é de esquerda!

Joana abaixou a cabeça e me lançou um olhar de baixo para cima, meio de lado, levantando uma sobrancelha e falou:

- Bem, meu bem, você usa camisa de botão, tem o cabelo arrumadinho, a barba bem feita e não sabe se aproximar de uma mulher. Só pode ser de direita!

Abri a boca para responder alguma coisa que certamente só estragaria ainda mais aquele momento que mal havia começado - e por que não dizer que havia começado mal? – quando Joana colocou rapidamente dois dedinhos daquela linda mão ruivinha sobre a minha boca e falou:

- Fica quietinho, fica, porque eu já gostei de você e não quero que isso mude.

Nossa mãe do céu! Era um presente divino. Só podia ser. Eu sempre tive fantasias com mulheres ruivas, mas nunca havia saído com uma. Aquela moça me provocou arrepios...

 CONTINUAR - Parte 2

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Maldita família desequilibrada - PARTE 2 - FINAL

por Mariana Juer Taragano


No dia seguinte, acordei resolvido a matar o maldito trabalho... A causa era nobre: um grande amor... Diria qualquer coisa “me encontro enfermo, enfermo de febre, de febre de paixão de chama que me consome”... Entrei no ônibus atrás da beldade. Ela se sentou lá na frente, como uma boa moça de família. Que balanço sobre aqueles saltos e que bela panturrilha percorreu o corredor... Ai, meus instintos imploravam por um beijo na dobra atrás do joelho e uma mordida naquela linda batata da perna... Agora o vestido era mais curto e mais ousado, a primavera estava linda e alva, elegantemente vestida. E os benditos cabelos?? Por que não os solta??

Num dia de calor, me levantei e fui mais cedo para o ponto, me preparei para descobrir mais detalhes daquela beleza misteriosa... Mas ela já estava lá quando cheguei... Linda de vestido mais justo, branco, mais curto e decotado... Seu chapéu, de abas estreitas, já me permitia ver um pouco mais daquela alva face. Como ela era linda. Não, não me enganei, ela era definitivamente a mulher dos meus sonhos, que já não usava aqueles sapatos fechados que mal me permitiam ver seus belos pezinhos... Um escarpim fino aberto atrás me permitia ver que tinha um lindo calcanhar, rosado, fino e firme sobre aqueles terríveis e maldosos saltos. Ah... Aqueles saltos... Aquela postura empinada... Que curvas e aquela batata! Mulher elegante de pé delicado... Isso era o paraíso na Terra. Mas eu precisava de coragem, e ia me preparar para falar com ela.

No dia seguinte, respirei fundo, já era verão e nessa época as pessoas são mais calorosas, receptivas. Estava resolvido. Contaria tudo a ela, que a vira tantas vezes e que não resistira à gana de saber, no mínimo, seu nome. Contaria que ela exercia essa força estranha de atração sobre mim. E se fosse comprometida? Não, não era possível, pelo menos, casada não era, pois nunca vira uma aliança naqueles longos e belos dedos que por tantas vezes acompanhara em seus movimentos para ajeitar os grampos do chumaço castanho.

Decidi sair da inércia e ir em frente. Fui ao ponto. A moça já estava lá, linda, elegantíssima e aquele rosto incrível me fitou os olhos por menos de um segundo, mas me fitou. Agora eu não era mais um estranho; ela me viu e me notou. Fui até ela, olhei em seus belos olhos castanhos e comecei “bom dia” e ela delicadamente, ainda que seguramente me respondeu “bom dia” e não resistindo ao momento, a olhei de cima a baixo. Poderia engoli-la naquele instante, mas quando meus olhos passaram na altura de seu colo, enchi meu peito de coragem e falei “olha moça, eu a vejo sempre...”, estava a ponto de continuar a frase, quando meus olhos alcançaram seus pés. Quase não me contive com tamanha felicidade ao encontrá-los em belas sandálias e não mais naqueles sapatos fechados e graças a deus me contive! Que pé feio!!! Malditos dedinhos!!! Ah não, mulher com pé feio não serve para casar, nem para amar! A tempo, eu percebi que seus dedinhos pareciam mais uma família infeliz e desequilibrada! Respirei fundo e continuei “Olha moça, eu a vejo sempre aqui no ponto e já até pegamos a mesma condução, a senhora perde muito tempo, deveria pegar o ônibus 677. Até mais ver!” e ela, educadamente, agradeceu “Obrigada senhor”.

Gostou do conto? Gostaria de ler outro? Que tal "JOANA" ?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Maldita família desequilibrada - PARTE 1

Por Mariana Juer Taragano

Mais uma vez eu estava naquele maldito ponto de ônibus. Minha vida não passava de uma bela caixa de não surpresas e a rotina me sufocava de tal forma que parecia fazer minha vista embaçar. Talvez não quisesse enxergar a minha sina de funcionário público, mal pago, descrente e sem amor. Ah... Um amor, eu sonhava sim com ele... Até que em uma manhã de um dia frio, a vista pareceu desembaçar...

Naquela segunda-feira, no ponto de ônibus, algo balançou ao vento e me chamou a atenção. Meu coração palpitara, as pupilas dilataram e não era uma miragem. No ponto de partida de minhas jornadas diárias rumo ao martírio, eu encontrara o amor de minha vida. Não, não era linda, mas era estonteantemente deslumbrante... Fios louros que escorregaram de todo o chumaço de inebriante cabelo mal preso no topo da cabeça balançavam ao ritmo do vento e me hipnotizavam... Aqueles benditos fiozinhos eram os resquícios infantis de uma cabeleira castanha que pesava, a qual eu imaginava se soltando daqueles grampos, me cegando...

Seu pescocinho delicado introduzia em meus olhos o caminho traçado por uma leve pelugem clarinha até as belas costas que se iam apenas até as fronteiras do muito comportado vestido azul. Ombros escapavam ilesos e ilícitos das alças; brancos, visivelmente macios e lisos. Não havia uma sarda, marca, pinta naquela mulher. O que me instigava a procurar. Mas me recusei a descer o olhar. Não, não! Preciso respeitar essa que pode ser a grande mulher! Ai, ai, ai, oras, mas o que estou pensando??? Oras, oras e oras bolas, será possível??? Já entrei no meu mundo fantasioso??? Vamos rapaz, desça o maldito olhar! Quem é essa moça afinal para causar tamanho furor e repentino respeito??? Você, em sua mediocridade, nunca a terá mesmo!!! Decidido, desci o olhar. Linda cinturinha, proporcional àqueles belos ombros, nem largos, nem finos, apenas femininos. Ardentes talvez, e quem sabe, ávidos por beijos...

Por um momento, achei que veria seu rosto, mas ela me enganou. Uma leve virada para verificar se seu ônibus se aproximava apenas me permitiu ver seu lindo maxilar, delicado, bem delineado, branco, e a boquinha... Hum... Certamente feita para beijar. Mas foi tudo tão rápido, nem pude ver seu perfil decentemente. Para minha sorte, o ônibus não chegara ainda... O meu, já passara duas vezes!

Sob o vestido azul bem cintado, havia um belo quadril, certamente. Um quadril imaginário, pois a saia rodada não me permitia ver muito, mas mulher como aquela não poderia ter um quadril feio, desproporcional... O meu ônibus chegara e no susto com o grito do colega de departamento “Bom dia Sr. Osório! Venha, entre logo!” à janela, me senti perdido de pavor, como uma criança pega em flagrante furtando o morango do bolo. E quando caí em mim, na minha realidade de assalariado, atrasado, mal pago, mal amado, e com péssimos e malditos colegas, nem pude me despedir com um olhar que fosse. Quando corri para um lado, me dei conta de que o vestido azul correra para o outro, de costas - de lindas costas- para pegar a sua condução.

E os dias passaram e vi um vestido vermelho rodado, belas orelhas, linda nuca; um vestido preto que de tão fechado para protegê-la do frio matinal, me deprimiu, belas botas; um vestido cinza, triste... tal cor deveria ser proibida! Não fosse a inexorável justeza e a permissiva transparência que me consentiram conhecer melhor o bendito quadril misterioso e a marca da lingerie. Ai deus me perdoe, a marca da lingerie... Marca ondulada... Indício uma renda sacana, que quase me arrancou lágrimas de emoção...

Minha falta de coragem em me aproximar me posicionava sempre no fundo do ponto de ônibus e quando ela chegava, sempre por uma ironia do meu destino, ou a moça olhava para a rua, o que me permitia apreciar apenas parte de seu perfil, ou estava de chapéu que fazia sombra em seu rosto... Maldita mulher! O que ela tem de errado que esconde a face??? Ainda vou segui-la, até descobrir o que essa moça encobre.

No dia seguinte, acordei resolvido...

CONTINUAR - Parte 2 e final

Hotel Caravelas

Por Mario Fioretti


Abri os olhos e vi o teto, forro manchado, com um lustre cheio de insetos mortos.
Sob meu corpo, a cama não tinha sido desfeita. Dormi vestido em cima de uma colcha estampada com cores quentes. Laranjas, marrons e ocres. Feia.
Lembrei, divertido, do porre da noite passada. Fazia tempo que não bebia tanto.
Levantei meio tonto, fui até o banheiro, me olhei no espelho – horrível - e lavei o rosto. Uma lâmpada esmaecida e amarelada me iluminava. Olhei para o chuveiro, depois para a toalha e decidi não tomar banho.
Deixei o quarto e fui até a sala do café da manhã. Tudo muito simples. Nas mesas marinheiros asiáticos conversavam em suas línguas estranhas. Tomei um café e pão com manteiga, espantando algumas as moscas de verão.
Paguei a conta e saí. O dia era de sol, sábado de manhã. Estava em Santos, tinha acabado de me separar. Dei risada daquilo tudo, me sentia livre e feliz como nunca.
Minha vida estava recomeçando.