sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Pequena Nina - Parte 2 - FINAL

Por Mariana Juer Taragano

Imersa em tamanha euforia, Nina correu ao encontro do seu amigo, contaria tudo! Mas ele ainda não chegara. Sentou-se para esperá-lo e, de relance, notou sua mãe espiando pela janela. Pega em flagrante espiando a filha, rapidamente fechou a cortina. Nina sentiu um frio na barriga. Temeu que sua “pequena mentira” acabasse com toda aquela felicidade e tomou uma decisão.

Aníbal chegou também eufórico e surpreendeu Nina com uma caixa de bombons sortidos. Ele estava feliz porque havia colecionado ideias para ajudá-la a alcançar seu objetivo. Ela adorou a surpresa açucarada e, por alguns minutos, até se esqueceu do que havia decidido pouco antes. Começaram a desvendar os recheios e entretiveram-se entre embalagens e mãos meladas. Lavaram as mãos no chafariz e sentaram-se à sua borda.

Nina falou a Aníbal que tinha uma coisa séria para conversar e que não sabia como começar, mas ele deveria prestar muita atenção porque era importante. Contou sobre o dia anterior e Aníbal riu com a pequena mentira, recordando-se da época que tinha, realmente, dez anos. Eles, provavelmente, não seriam amigos, pois a vida, para ele, resumia-se a jogar botão e futebol com os outros meninos. “Como era bobinho” – pensou e suspirou ao se dar conta de como as crianças são mais espertas hoje em dia. Nina continuou falando como uma matraca. E concluiu afirmando que por essa mentira, não poderiam mais se ver, mas que poderiam ser amigos para sempre. Dessa vez, Nina fez-lhe recordar não da infância, mas de todos os foras que levara na vida. E riu. Lembrou-se que no mais recente sequer tivera chance de tentar mudar a situação, já que a moça não aparecera. Mas ele superara rapidamente, afinal conhecera aquela pequena grande menina. Aníbal tentou convencê-la a levá-lo até sua mãe para contar a verdade. Mas Nina estava decidida, pois sabia que ferira o “estatuto dos Carvalho”, agora “das Carvalho”, ao se aproximar de um estranho, o que seria imperdoável, ainda mais considerando-se a mentira. E Nina não queria “arriscar tudo que conquistara até aqui”. Aníbal entendeu, desejou-lhe sorte e felicidade e avisou que estaria por perto por mais uns dias, que poderia procurá-lo pela praça por volta do horário que sempre marcavam, caso mudasse de ideia.

Nina não apareceu mais na praça, nem para brincar, pois temia “iludi-lo”. A mãe, a princípio, estranhou Nina passar tanto tempo em casa, mas depois, ao ouvir a pequenina dizer que estavam em “lua de mel”, tranquilizou-se e entendeu a mudança repentina de perfil, agora mais caseiro.

Os dias passaram e Nina, embora feliz, começava a mostrar traços de apatia. Algumas vezes, espiava pela janela e voltava cabisbaixa para seus desenhos no chão da sala. A mãe começou a observá-la com mais cuidado. Certo dia, Nina desenhou a praça com duas pessoas sentadas em um banco. Outro dia, o chafariz chorava junto com uma menina e, noutro, passou horas colorindo a camisa de menino sentado na praça.

“Filha, por onde anda seu amigo novo?” perguntou a mãe, fingindo não ter notado nada. Nina, respondeu que não sabia, baixinho. A mãe insistiu em perguntar por que eles não haviam se encontrado mais e Nina olhou-a com uma lágrima escorrendo e, fazendo um pequeno bico, repetiu “não sei”. A mãe correu para abraçá-la. Consolou a filha com carinhos e colocou-a sentada no sofá. “Quer conversar, minha boneca?” perguntou carinhosamente. “Quero, mas não sei” respondeu. “Não sabe o quê, meu anjo?”. Nina abraçou fortemente a mãe, deitando sua cabecinha sobre aquele peito tão acalentador. A mãe respeitou a filha. Não quis pressioná-la e lembrou-lhe que as férias chegavam ao fim e em breve reencontraria muitos outros amigos. Após alguns instantes, convenceu Nina a acompanhá-la até a cozinha para preparar um brigadeiro especial.

Nina não estava bem. Tinha bons momentos, mas passava a maior parte do tempo mostrando sinais de que sentia um vazio. “Onde andaria aquele amigo?” pensava sua mãe, certa de que só poderia ser esse o motivo da tristeza na menina. Tentou puxar conversa incontáveis vezes, sempre com a tranquilidade suprema de quem só quer o bem, mas não conseguia fazer a filha falar mais. Logo a Nina, sempre tão “faladeirinha”! E que dor no coração aquela mãe sentia.

Acompanhada da mãe, Nina foi à escola. Estava ainda com aspecto desconsolado, mas parecia um pouco mais animada pelas expectativas do novo ano. Na volta, sua mãe sentou-se naquele mesmo banco que por vezes vira Nina sentar-se, exatamente em frente à sua casa. Olhou à volta, procurou pistas. Pensou que deveria ter feito isso antes da volta às aulas, poderia ter encontrado o amiguinho da filha. Pensava que talvez o menino tivesse buscado novos amigos, já que Nina sumira da praça por uns tempos para curtir a “lua de mel com a mamãe”. Quantas vezes retomava à memória a imagem daquela lágrima escorrendo enquanto Nina dizia não saber por onde andava seu amigo.

Os dias se passaram. A mãe de Nina voltava com frequência à praça em diferentes horários na esperança de salvar a filha da tristeza ainda muito presente na hora de dormir e nos desenhos da escola. Certo dia, sentou-se à beira do chafariz e respirou fundo ao olhar ao redor e se dar conta de que não adiantaria em nada aquela busca sem a presença de Nina. Por outro lado, tinha receio de retomar o assunto que já poderia estar adormecendo dentro da menina. Mas, como deixar passar algo assim? Algo que feria tanto o coraçãozinho de sua boneca e que, ao mesmo tempo, não conseguia entender plenamente já que Nina recusava-se a falar no assunto? Pensava, pensava e resolveu voltar para casa sem qualquer solução em mente. Foi quando alguém a chamou pelo nome “Branca!”. Ao olhar para trás, reconheceu um velho amigo de infância, cujo primeiro reencontro, meses antes, no jantar de confraternização da turma de escola, deixara a promessa de um novo encontro que nunca acontecera. Haviam marcado para poucos dias depois do tal jantar naquela mesma praça, onde agora se viam, mas Branca não apareceu, ainda tomada pela insegurança após o abandono.

Aníbal parecia não dar a menor importância à sua falta e sorriu com os braços abertos, tão receptivo quanto da primeira vez. Branca, com sorriso amarelo, enrubesceu imediatamente, mas ficou feliz. Pediu desculpas pelo ocorrido, explicou que ainda não se sentia preparada e que não poderia “iludi-lo”, mas não sabia como dizer isso pessoalmente e, então, aconselhada por uma amiga, simplesmente, resolveu não aparecer. Assim, ele entenderia que não valia a pena perder tempo com ela.

Conversaram bastante, caminhando pelo parque, e Aníbal deixou claro que não se sentia perdendo tempo em companhia daquela que fora a menina mais bonita da escola. Relembraram os bons e velhos tempos, as cartas de amor que ele mandara tantas vezes e que jamais foram respondidas. Mas foi com ele que ela dançou em seu baile de debutante e isso vingara todas as dores do passado, matando os outros rapazes de inveja. Afinal, valeu a pena praticar todos aqueles esportes como o pai exigia, só para ficar com “mais pinta de príncipe e ganhar a primeira valsa da princesa”. E riram.

Aníbal resolveu então contar o que acontecera naquele fatídico dia em que a princesa decidira deixar o príncipe a ver navios, ou melhor, “gangorras” no ponto de encontro. “Branca, se você acha que me dei mal, me dei foi bem! Conheci uma mocinha...” – e Branca interrompeu - “é mesmo? Não me diga” – sentindo um aperto no coração e um frio na barriga. Aníbal continuou “uma mocinha linda! Um broto! Literalmente um brotinho da flor mais bela já vista”-. Foi quando Branca começou a entender o tom irônico. “Explica logo, Aníbal!”. Aníbal riu e perguntou se Branca estava com pressa. E, inesperadamente, ela disse que sim, acelerando as passadas e cruzando a praça apontando para o ônibus escolar que se aproximava. Os dois apressaram-se em direção ao ônibus prestes a parar e o assunto se perdeu. Nem precisaria continuar, tamanha a surpresa que aguardava por todos.

Atravessaram a rua para receber “a filha da Branca”. Nina desceu o primeiro degrau e, ao ver seu amigo junto a sua mãe, esperando-a com um enorme sorriso, abriu a boquinha e, como num espelho, Aníbal teve a mesma reação, já se aproximando mais da porta do veículo, como se quisesse enxergar melhor. Nina saltou dali mesmo em seus braços e abraçaram-se enormemente.

Aníbal, olhando para Branca por sobre o ombro de Nina, e entre todos aqueles fios de cabelo sobre seu rosto, perguntou “preciso contar o resto da história?”. Em um leve sorriso, Branca fez um sinal carinhoso com a cabeça e abraçou os dois.

Entraram em casa e Nina matraqueou como já não fazia há “dias e dias e muito mais dias”, riram, divertiram-se, brincaram e conversaram sobre as penalidades de quem fere o “estatuto dos Carvalho”, mas como até o nome estava desatualizado, resolveram anistiar os criminosos e reescrever o estatuto. Aliás, nem seria mais categorizado assim, agora se tratava de um “código de honra”, como sugerira Nina, cujos olhos voltaram a brilhar e a refletir uma mãe sorridente, corada. E deu-se conta de que algo especial ocorria ali, ao ouvir da cozinha, enquanto buscava um desenho na sala, “Olha a Nina!”. E riu.

O tempo passou, eles escolheram um lar, juntos, os três, para viver uma nova história cheia de cores, sem lágrimas. Mas, mesmo com o passar dos anos, insistiam em passear por aquela velha praça, onde se sentavam naquele mesmo banco ou à beira do chafariz para não permitir que se apagassem tão belas memórias de um novo início. Início este que se dera “há anos e anos e muito mais anos”.



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