segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Da Rotina

Por Mariana Juer Taragano


A rotina quer me matar. A mesma xícara, o mesmo sabor, a mesma cor na parede. O mesmo som do refrigerador. Um ronco rouco e crescente, como um decolar, que já não me incomoda, apenas me lembra que por alguns minutos, ou segundos, sei lá, não poderei exercer o direito de ir e vir entre as prateleiras da minha geladeira, guardiã dos meus alimentos. Ela me freia, o que já nem me importa, pois aqueles quilos que desejo perder também são os mesmos há anos.

No armário, as roupas já não são as mesmas, mas o estilo se mantém. Uma escravidão do espírito em meio a uniformes do ambiente corporativo que carregam o timbre do bem-sucedido.

No espelho, a velha palidez, da qual, de tempos em tempos, eu creio poder me livrar de vez. Talvez, naqueles dez dias de férias tiradas a cada dois anos.

Na cama, sobre os velhos lençóis, a mesma pessoa há dez anos e uns bocados, ou seriam doze anos? Paramos de contar quando o aniversário virou motivo de briga. A mesma briga de sempre, por nada e por tudo. Os menores motivos levantam as piores discussões que depois são encerradas com o velho questionamento sobre o tamanho do problema, que não se compara aos problemas reais. Que seriam quais? Aqueles sobre ter ou não filhos, mudar de trabalho, cuidar da saúde, dos dentes... Aliás, meus dentes não passam por uma revisão há tempo suficiente para que eu já nem repare no seu amarelado causado por aquele cigarro que fumo há tantos anos que já nem tem sabor, talvez pelo costume, talvez pelas papilas desgastadas. Quem diria, aquele sorriso de outros tempos era tão elogiado...

A rotina não vai me matar. Vou redecorar a cozinha. Não vou mudar de geladeira, mas já a enfeitei com fotos novas e acho que vou pintá-la com alguma cor moderna. A decoração principal estará do lado de dentro! Haverá alimentos diferentes, coloridos, estimulantes, que sejam parte ativa na eliminação daqueles quilos que, em breve, virarão passado sim. O sabor fica. O excesso sai. Tirei as xícaras de visita do armário e vou usá-las para melhorar o sabor matinal. Afinal, eu sou a primeira visita da cozinha há anos! Por sinal, o café passará para a sala, geralmente frequentada só quando aquelas mesmas visitas, por aqui, passam. A marca de leite fica, a de café muda. Vou comprar a tão desejada máquina de expresso de presente para nós dois que tanto amamos um café forte pela manhã.

Nós dois... nós dois precisamos de coisas novas. Há quanto tempo eu já não usava a primeira pessoa do plural para desejar, sonhar, cuidar? O pãozinho vira integral, o lixo passa a ser separado para limpar o planeta e a nossa consciência. Arrumarei a mesa de café com aquela toalha bordada, aquela de visita também que, guardada junto às xícaras, estava empoeirada numa prateleira alta do armário do quartinho. O quartinho da bagunça será arrumado e limpo. O dispensável será doado ou descartado. Vamos montar uma oficina de maluquices eletrônicas da outra metade do “nós”. Ele sempre quis.

No armário, começarei a ser mais criativa. Desde as cores das portas até o seu conteúdo. Os terninhos ficam, mas a uniformidade sem personalidade sai. Afinal, o emprego que amo fica. Mas, com novos horários.


Na cama, vou recomeçar. Comprarei uma nova e escolherei novos jogos de lençóis e travesseiros. Tudo que for preciso para que a pessoa com quem durmo há anos e, recentemente, só durmo, tenha vontade de ficar nela por mais horas comigo, dormindo ou acordado. Na paz ou discutindo. As discussões ficam; as brigas, não. Assuntos serão encerrados quando, de fato, terminados, pois, talvez, por nunca chegarmos a conclusões, cometamos os mesmos erros ou estejamos abrindo mão de detalhes importantes da nossa história.

Vou cuidar dos meus dentes e do meu corpo. Vou parar de fumar.  Vou rever hábitos e atitudes. E vou cuidar para que ele faça o mesmo, principalmente, com os doces, a ansiedade, os joelhos e a coluna. Vamos repensar e reavaliar velhos e novos sonhos.

Vamos cuidar da nossa casa com tudo que nela existe e coexiste, a começar por tudo que vive, mas o tem feito sem vida: eu e meu par. Da rotina, só ficam o bom e o necessário, pois está na hora de mudar o olhar sobre o entorno. A rotina não vai nos matar.

2 comentários:

  1. Nossa, me arrepiou....
    Sensibilidade... e carinho com as memorias e com a rotina ... que não é de tudo ruim, pois faz parte da genta da nossa vida...

    PArabéns!!!!

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  2. Me inspirou para um montão de coisas!
    bjs

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